Embora haja interrelações entre uma língua e a sua forma escrita (a ortografia) são, ainda assim, entidades distintas. A língua é um instinto humano de dimensão cultural que não pode ser legislado nem por governos nem por gramáticos. A ortografia é uma convenção e há até línguas diferentes que partilham a mesma ortografia.
É claro para todos que o português do Brasil, de Portugal e dos outros países lusófonos está a divergir, sendo disso testemunho os diferentes usos do vocabulário e variações gramaticais que, de resto, ocorrem frequentemente dentro de uma mesma comunidade linguística, incluindo falantes da mesma nacionalidade. Por isso, parece-me, que as motivações do acordo ortográfico não são objectivos de uniformização cultural mas antes uma estratégia política.
Uma ortografia unificada irá permitir a adopção do português como língua de trabalho em instâncias internacionais, o que até agora era impedido pelo facto de persistirem ortografias distintas em dois grandes blocos de países, e adoptar uma ortografia preterindo a outra levantaria problemas políticos. O acordo é, assim, um instrumento de valorização da língua ao nível internacional.
Resta acrescentar que Portugal foi o primeiro a quebrar a uniformidade da ortografia portuguesa com a reforma de 1911 não tendo sequer tentado um acordo com o Brasil. Desde essa altura que se procura re-aproximar as ortografias praticadas dos dois lados do atlântico. Um século de tentativas marcadas por alguma prepotência de Portugal que está agora em condições de se redimir. Assim, o acordo introduz alterações na ortografia agora praticada tanto em Portugal como no Brasil, estando a gerar naturais contestações nos dois países. Não se trata de por os portugueses a escrever como os brasileiros, mas sim de identificar os pontos comuns e de adoptar um conjunto de regras coerente que sirva as duas comunidades linguísticas.
Podemos, claro está, insistir na política do orgulhosamente sós e na lógica de que somos os proprietários da língua portuguesa insistindo na grande longevidade da nossa cara ortografia que tem, afinal, apenas algumas décadas. Ou podemos dar ao mundo uma lição de universalismo rejeitando o sentimento de antiga potencia colonial e dando mais um passo na criação de uma verdadeira comunidade lusófona ao nível global.