sábado, maio 31, 2008

Acordo Ortográfico (I)


Eu acho muito estranho que se queira defender a ortografia do português como um património cultural essencial à identidade nacional e querer colocar a questão do Acordo Ortográfico a este nível de dramatismo.

A ortografia do português foi revista inúmeras vezes ao longo da história do país e quatro vezes só no século XX. A primeira revisão com força legal operada em 1911 foi muito mais radical daquela que é instituída pelo Acordo que está em discussão, e esteve também rodeada de polémica. Mas hoje em dia as pessoas estão preparadas a defender com unhas e dentes os resultados da reforma de 1911 que foi considerada por algumas personalidades na época como um atentado à língua portuguesa, e que nos daria cadáveres mutilados em vez de palavras.

Embora se possa discutir a utilidade do Acordo, e talvez o argumento da uniformização pela uniformização não seja absolutamente convincente, o facto é que muitas petições e intervenções avulsas que se podem ler por toda a internet exageram as consequências do Acordo produzindo verdadeiros panfletos anti-acordo de conteúdo completamente falso.

Numa destas petições online pode ler-se a sugestão de que a palavra Pacto passará a escrever-se Pato, ou de que Hora passará a grafar-se Ora. O que é absurdo e completamente falso. Frequentemente esquecem-se também que na Ortografia oficial passa a admitir-se dupla grafia nas palavras cujo "c" e "p" antes de consoante são pronunciadas nas pronúncias cultas. Assim Facto continuará como ortografia admissível para esta palavra a par de Fato. Do mesmo modo, Recepção e Cacto, apesar do "p" e do "c" destas palavras não ser pronunciado em Portugal, é-o no Brasil e, consequentemente, vão manter-se também estas formas como grafia admissível.

Outra estratégia utilizada pelos opositores do Acordo é referir a introdução de mudanças que na realidade não mudam nada em Portugal, como é o caso da supressão dos acentos em "idéia", "assembléia", etc, que já não se grafam assim na ortografia de Portugal, e que por coerência e economia se estende a palavras como "jóia". etc..

Em todo o caso, houve quase 10 anos para discutir este acordo. O seu segundo protocolo modificativo foi já ratificado pelo parlamento português e uma vez assinado pelo Presidente da República entra em vigor. Fazer petições neste momento é extemporâneo.

Mais, o constante pedido de referendo a propósito do Acordo ortográfico é inconstitucional, uma vez que em Portugal é inconstitucional submeter a referendo tratados internacionais (com uma excepção introduzida há apenas alguns anos para os tratados que digam respeito ao aprofundamento da União Europeia).

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