quinta-feira, maio 31, 2007

SNS


Embora simpatize com o Movimento Liberal-Social não posso concordar com a posição do movimento acerca do Sistema Nacional de Saúde.

O argumentário da proposta do MLS refere que:

As tecnologias de saúde disponíveis tendem a ter custos cada vez mais elevados, devido ao seu cada vez maior requinte tecnológico


A que corresponde, em princípio, um aumento da qualidade dos cuidados prestados.

As pessoas que necessitam de cuidados de saúde nem sempre têm consciência destes elevados custos e requerem frequentemente uma utilização imoderada dos mais modernos e dispendiosos meios possíveis


O problema da falta de consciência dos custos pode ser colmatado de duas formas: uma referência explícita ao custo dos cuidados prestados a ser entregue ao utente e versar uma parte dos custos, de forma proporcional, em taxas moderadoras. De resto, os utentes podem requerer o que quiserem, mas em última análise são os médicos, de acordo com práticas e directrizes hospitalares, que decidem quais são os meios de diagnóstico e as terapêuticas a aplicar, não os utentes.

É problemático o Estado decidir, de forma universal, quais as técnicas e tecnologias que pode disponibilizar gratuitamente no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (SNS)


Não entendo o que é que isto significa.

Como consequência de escolhas incongruentes por parte do Estado, muitas pessoas não têm acesso a cuidados de saúde básicos, por exemplo, na área da medicina dentária, enquanto outras pessoas recebem gratuitamente cuidados de saúde de necessidade questionável, por exemplo, na área da medicina da reprodução;


O SNS fornece cuidados de saúde na área da estomatologia, embora não cubra os custos dos actos dos médicos dentistas nem as actividades dos higienistas orais. Pode haver, de facto, alguma incoerência nesta opção.

As pessoas que dependem do SNS não têm liberdade na escolha quanto aos cuidados de saúde que consideram prioritários para o seu caso pessoal


A não ser que as pessoas sejam médicos diplomados é normal que não estejam em condições de escolher os cuidados de saúde prioritários para o seu caso pessoal.

Muitas terapias não convencionais não são abrangidas pelo SNS, apesar de serem benéficas em muitas condições


Os benefícios das terapias não convencionais estão longe de estar demonstrados para além do efeito placebo, no entanto existe uma lei proposta pelo BE que abre caminho à comparticipação dessas práticas terapêuticas. Aguarda apenas regulamentação.

Depois deste "diagnóstico" o MLS propõe um sistema tripartido com cuidados de saúde gratuitos e financiados pelos impostos para: medicina preventiva, vacinas, tratamento de doenças contagiosas e algumas condições crónicas. E aqui, dependendo de quantas condições crónicas quisermos incluir (segundo que critério? por decisão de quem?) arrumamos com uma grande quantidade de doenças e custos. (Só a título de exemplo, os anti-retrovirais representam 90% da despesa total dos hospitais em medicamentos) e deixamos de fora todas as condições agudas que ocorrem sobretudo no fim da vida: e.g. acidentes vasculares cerebrais.

Para as restantes condições deveriam haver contas-poupança saúde e um seguro obrigatório para tratamentos de custos muito elevados devendo o utente "utilizar a sua Conta-Poupança Saúde para pagamento dos cuidados de saúde que entenderem, competindo-lhes escolher, sob prescrição médica e de assistentes sociais, os tratamentos e fármacos a utilizar, e o grau de conforto das instalações hospitalares". A ideia de ter os utentes a escolher o tratamento e fármacos a utilizar espero ser uma paráfrase de "consentimento informado", porque de outra forma não faz sentido absolutamente nenhum. Os doentes têm todo o direito a serem informados do tipo de tratamento que lhes é recomendado, de toda a lógica por detrás dos actos médicos que lhe vão ser aplicados e de conferenciar com o seu médico assistente, mas é no mínimo caricato propôr-se que devem participar numa espécie de processo de co-decisão.

De resto, ao propor-se o seguro médico obrigatório, reconhece-se que uma conta-poupança saúde pode ser insuficiente para cobrir a miríade de situações em que uma pessoa pode requerer cuidados de saúde. Isto porque o problema deve ser contextualizado no domínio do risco. Assim, um seguro de saúde obrigatório deveria ser tudo o que é necessário para garantir a prestação de cuidados quando necessários. O financiamento do SNS através dos impostos não é muito diferente de um seguro de saúde obrigatório, excepção feita ao facto de que a avaliação do risco não tem repercussão nos pagamentos, mas sim o rendimento do utente. Mas que tipo de avaliação do risco estaríamos dispostos a aceitar? Avaliação de predisposições genéticas? Avaliação do estilo de vida? Idade?

Acho que devemos concentrar-nos em encontrar modelos de gestão dos equipamentos e de financiamento dos prestadores de serviços que permitam uma utilização eficaz do SNS em vez de tentar encontrar novos modelos de financiamento que, a medir pela proposta do MLS, apresentam mais problemas do que aqueles que resolvem.

Neste domínio acho que o Estado deve fazer cada vez menos distinção entre operadores públicos e privados devendo o utente poder escolher livremente qual a instituição onde pretende receber tratamento. E é perfeitamente razoável que o utente possa fazer contas-poupança saúde ou realizar seguros de saúde para complementar a cobertura do SNS se quiser receber cuidados com uma qualidade superior (quarto individual, assistência permanente de um enfermeiro, etc). No entanto, quem conhecer o panorama da saúde em Portugal sabe que os cuidados prestados nos hospitais privados não são necessariamente melhores do que os que são prestados nos hospitais centrais públicos, antes pelo contrário.

Se olharmos para os sistemas de saúde a nível mundial vemos que nos Estados Unidos, não havendo um sistema universal de prestação de cuidados, temos um dos mais ineficientes sistema de saúde à escala global com um custo elevadíssimo para os serviços prestados, para não referir a escassa percentagem da população que tem efectivamente acesso a cuidados hospitalares. Por outro lado, a França, com um bom nível de prestação de cuidados e com cobertura de várias situações clínicas (incluíndo medicina oral) é um dos sistemas de saúde mais eficientes.


De resto, os problemas de financiamento da saúde, e das outras prestações do Estado-Providência, estão relacionadas, como se sabe, com o envelhecimento da população. Mas o MLS diz:

O Estado poderá cobrir, para além dos cuidados de saúde acima referidos como gratuitos, doentes crónicos, doenças genéticas, casos catastróficos e cuidados extra, necessários na Terceira Idade


Acho que só ficaram de fora as constipações. Oops, nem isso! são contagiosas!

Uma solução para resolver o problema do financiamento é aumentar o tempo das carreiras contributivas, ou seja, aumentar a idade de reforma. Ou se gostarmos de contas-poupança.. porque não uma contas-poupança senescência?

5 comentários:

Miguel Duarte disse...

Algumas respostas:

"De resto, os utentes podem requerer o que quiserem, mas em última análise são os médicos, de acordo com práticas e directrizes hospitalares, que decidem quais são os meios de diagnóstico e as terapêuticas a aplicar, não os utentes."

Nem por isso. É o Estado que decide, ao autorizar algumas terapêuticas e recusar outras via uma análise custo benefício.

Por exemplo, nem todos os medicamentos anti-cancro estão disponíveis num hospital público.

Ou, outro exemplo, existem operações sofisticadas que podem estar disponíveis em uns hospitais e não noutros, devido a razões de custo e que até seriam vantajosas para o dente.

"A não ser que as pessoas sejam médicos diplomados é normal que não estejam em condições de escolher os cuidados de saúde prioritários para o seu caso pessoal."

Se conversares com um médico, ou consultares vários médicos, verás que tens alguma liberdade de escolha. A medicina não é uma ciência exacta e o doente, se estiver informado, pode influenciar a escolha dos tratamentos.

Relativamente às contas poupança, estas destinam-se a pagar essencialmente a saúde do dia-a-dia, a ida ao dentista, clínica geral, aquisição de óculos, compra de medicamentos básicos, etc. Não despesas mais elevadas que deveriam ser feitas com base em seguros de saúde.

O objectivo daquilo que é proposto é dar liberdade de escolha às pessoas na escolha dos serviços, cobrindo, como dizes e muito bem, públicos e privados. Deixando o Estado de ser um gestor de hospitais (que nunca deveria ser), nem de seguros (o que é que te faz crer que o Estado gere melhor o sistema de saúde que um privado?).

Nuno D. Mendes disse...

A convergência entre prestadores públicos e privados e a liberdade de escolha do utente cobre a maioria das questões que levantas.

Quando ao seguro de saúde obrigatório existem algumas vantagens em ter um segurador único público:

1. Todos os pagamentos contribuem para o fundo e são usados integralmente no financiamento de prestação de cuidados, não sendo necessário redistribuir dividendos entre os accionistas (como acontece num segurador privado)

2. Uma maior base de segurados permite uma melhor gestão do risco

Mas não me choca a priori a migração para um sistema de seguros de doença gerido por prestadores privados. Gostava no entanto de olhar para o exemplo de outros países e ver como diferentes alternativas funcionam. Numa primeira análise, os sistemas públicos parecem ser mais eficientes.

Em todo o caso, a tendência em Portugal é que o Estado deixe de ser, e bem, gestor de Hospitais, com a criação de Hospitais EPE.

Miguel Duarte disse...

"Todos os pagamentos contribuem para o fundo e são usados integralmente no financiamento de prestação de cuidados, não sendo necessário redistribuir dividendos entre os accionistas (como acontece num segurador privado)"

Isso não parece vindo de um liberal. ;) A única diferença teórica que tens que pagar ao nível de custo entre um privado e um público, seria o lucro (ou dividendo).

No entanto, estás a supor que a qualidade de gestão seria igual. Algo que eu não acredito.

Prefiro pagar o lucro de alguém à má gestão do Estado. Tanto mais que fico com a liberdade de escolher a quem vou dar lucros (e que por causa disso me vai dar um melhor serviço).

"Uma maior base de segurados permite uma melhor gestão do risco"

Isso é verdade. Mas estamos a falar de seguros obrigatórios, por isso a base de segurados seria suficientemente grande para ter em conta essa questão.

"Gostava no entanto de olhar para o exemplo de outros países e ver como diferentes alternativas funcionam."

O nosso esquema é inspirado na Holanda e em Singapura.

Nuno D. Mendes disse...

"Prefiro pagar o lucro de alguém à má gestão do Estado. Tanto mais que fico com a liberdade de escolher a quem vou dar lucros (e que por causa disso me vai dar um melhor serviço)."

I stand corrected ;)

Mas seria, no entanto, necessário criar um mecanismo de avaliação de qualidade de cuidados prestados por uma entidade independente. Isto porque nem sempre os utentes estão em condições de avaliar a pertinência e o nível de serviço dos cuidados de saúde que recebem.

Miguel Duarte disse...

Perfeitamente de acordo.