quarta-feira, novembro 21, 2007

O Desacordo, Vasco Graça Moura

Não resisto a reproduzir e a subscrever inteiramente este texto de Vasco Graça Moura:



Em 25.7.04, no protocolo modificativo do Acordo Ortográfico, as partes assentaram em que este "entrará em vigor com o terceiro depósito de instrumento de ratificação junto da República Portuguesa". É mais uma bizarria (e uma prepotência de sinal colonialista dos mais fortes sobre os mais fracos), porque dispensa a ratificação de quatro dos Estados soberanos intervenientes (Timor ainda não o era), coisa que nunca se viu em tratados e retira ao papel toda a força e credibilidade internacionais.

O acordo é apresentado pelos signatários de 1990 como um passo importante para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa. Isto é uma patetice. Não se alcança unidade nenhuma, como resulta logo do próprio e momentoso arrazoado. Por um lado, atente-se na disparidade dos critérios adoptados: enquanto o "h" inicial, que não se pronuncia, se mantém por força da etimologia, o "c" elimina-se quando é mudo em certas palavras, apesar de, nelas, decorrer igualmente da etimologia, de nem sempre ser líquido que não seja semipronunciado, e de se conservar, noutras palavras, quando é proferido nas pronúncias cultas da língua.

Na correlação entre grafia e pronúncia, os cérebros que parturejaram o acordo não compreenderam que, em Portugal e nos PALOP, o "c" que querem suprimir não é somente um testemunho da etimologia, o que, em si, já não seria pouco: é quase sempre essencial para abrir a vogal que o antecede. O mesmo se diga do "p" em idêntica situação. Se passarmos a escrever "ação" ou "adoção", não tardará que, em Portugal e nos PALOP, o "a" inicial da primeira seja pronunciado de modo a fazê-la rimar com "dação", e o "o" da segunda seja pronunciado de modo a dizer-se "adução" (salvo erro, já Óscar Lopes dava, há anos, este último exemplo quanto ao que sucederia numa pronúncia africana do português). Este problema não se põe na pronúncia brasileira, mas isso não é razão para se desfigurar criminosamente a grafia portuguesa. Na pronúncia de Portugal e dos PALOP, com tendência preocupante para o ensurdecimento das vogais não acentuadas, essas consoantes ditas mudas são funcionalmente insubstituíveis para se assegurar uma pronúncia correcta.

Por outro lado, basta pensar nas facultatividades ou grafias alternativas consagradas para toda uma série de casos. Vê-se logo que não asseguram unidade nenhuma, antes a comprometem: por exemplo, aquele mesmo "c" conserva- -se ou elimina-se facultativamente quando oscila entre a prolação e o emudecimento, assim como outras consoantes também se conservam ou eliminam facultativamente quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral, quer restritamente, ou então quando oscilam também entre a prolação e o emudecimento (p. ex., amígdala/ amídala; subtil/sutil; amnistia/anistia). A consequência deste tipo de facultatividade é a de não ser a norma, mas sim a maneira de pronunciar de cada um que determina a grafia. Fica tudo à vontade do freguês... o que é uma excelsa maneira de assegurar "a unidade essencial da língua".

A fermosa unidade é ainda assegurada noutros passos extraordinários. Não resisto a transcrever este: "Levam acento agudo ou acento circunflexo as palavras proparoxítonas, reais ou aparentes, cujas vogais tónicas/tônicas grafadas e ou o estão em final de sílaba e são seguidas das consoantes nasais grafadas m ou n, conforme o seu timbre é, respetivamente, aberto ou fechado nas pronúncias cultas da língua: académico/acadêmico, anatómico/anatômico, cénico/cênico, cómodo/cômodo, fenómeno/ fenômeno, género/gênero, topónimo/topônimo; Amazónia/ Amazônia, António/Antônio, blasfémia/blasfêmia, fémea/fêmea, gémeo/gêmeo, génio/gênio, ténue/tênue". Ante esta unidade essencial assim..."preservada", eu, que me prezo de ter algum currículo, só posso dizer, quanto àquele luminoso emparelhamento "fémea/fêmea", que nunca avistei uma "fémea" nem por cá, nem por outras paragens.

No tocante aos países que mais dependem da cooperação portuguesa, vai ser bonito... No que a nós diz respeito, o acordo não é só uma enormidade cultural. É uma irresponsabilidade política, social, económica e geostratégica! É para isso que estamos na CPLP? E quem é que manda? O ministro dos Negócios Estrangeiros que anda a anunciar a rápida entrada em vigor? A ministra da Educação que não falou do assunto? A da Cultura que ao menos teve a sensatez de pedir uma moratória de dez anos?

Só mais um exemplo: se os negociadores destas trapalhadas quiserem escrever no perfeito do indicativo "andamos a fazer uma triste figura", mas não puserem acento agudo na forma verbal por ele ser facultativo, poderá ler-se a frase no presente e foge-lhes a grafia para a verdade...

segunda-feira, novembro 19, 2007

Justiça no País das Maravilhas


Os senhores juízes desembargadores da Relação de Lisboa têm por hábito presentear-nos com acórdãos que primam pela originalidade. A candura com que decidem as questões que lhes são apresentadas leva-me a crer que os senhores juízes desembargadores vivem numa realidade que não tem nexo óbvio com aquela que todos nós outros experienciamos na vida quotidiana.

Há alguns anos, os senhores juízes decidiram que é perfeitamente razoável que um octogenário decida atravessar a pé a segunda circular em Lisboa e que essa diligência não constitui, portanto, conduta temerária. Esta observação, que fazia parte dos factos estabelecidos pelo tribunal, esteve na base da condenação de um infeliz condutor que seguia naquela via, pela faixa da direita e perfeitamente dentro dos limites de velocidade, por crime de homicídio por negligência. Foi, aparentemente, negligente por não ter assumido como provável o atravessamento daquela via dedicada a trânsito urbano rápido por um peão.


Mas mais recentemente, este mesmo tribunal estabeleceu um facto ainda mais original. O Tribunal da Relação de Lisboa, com toda a autoridade que tem enquanto última instância para apurar a matéria de facto dos casos em que é territorialmente competente, determinou que é perfeitamente plausível que uma salada crua possa ser um veículo de transmissão do Síndrome da Imunodeficiência Humana.

O caso em questão transitou do Tribunal do Trabalho e dizia respeito ao despedimento de um cozinheiro num estabelecimento hoteleiro que terá sido baseado no facto de o trabalhador ser seropositivo para o HIV. Cabia ao tribunal apurar se este facto era causa justa para por fim ao contrato de trabalho.

Tanto o Tribunal do Trabalho como a Relação de Lisboa decidiram no sentido de que um cozinheiro seropositivo para o HIV constituia um perigo para a saúde pública, uma vez que o seu suor e lágrimas, que contêm carga viral, vertidos num prato não confeccionado (p.e. uma salada), poderiam infectar um cliente incauto que tivesse alguma ferida bucal.

A Relação decidiu desta forma apesar dos pareces científicos que tinha na sua posse e que punham em evidência a implausibilidade da transmissão do vírus por esta via e, sobretudo, veiculavam a observação de que em mais de 20 anos de epidemia, depois de milhões de casos de contaminação, não havia um único caso registado de contaminação por via ambiental.

Ou seja, embora não seja possível oferecer uma estimativa para a probabilidade de um evento como a transmissão ambiental do HIV (e porque existem muito poucos eventos de probabilidade zero) o facto de ser algo nunca antes observado é, para o resto das pessoas, argumento suficiente para descartar pelo menos a noção de que estamos perante um perigo para a saúde pública.

Felizmente, os senhores juízes não parecem estar familiarizados com noções de Física modernas senão saberiam que não é impossível que toda a carga viral de um indivíduo seropositivo se desmaterialize do corpo deste para se rematerializar no corpo de um indivíduo saudável por efeito túnel. (Não é impossível, apesar de ser de uma improbabilidade tão grande que creio que o nosso universo não é velho o suficiente para já ter observado um fenómeno deste género.) Caso contrário, penso que os juízes teriam estabelecido que a única solução para o caso seria co-incinerar o indivíduo em questão, não estivéssemos a abrir portas para o início de uma nova epidemia de carácter quântico.

Mas raciocínios baseados em probabilidade não parece ser o talento mais saliente dos senhores juízes desembargadores. Senão facilmente perceberiam que se permitir que um cozinheiro seropositivo para o HIV exerça a sua profissão constitui um perigo para a saúde pública então, por maioria de razão, autorizar que qualquer indivíduo conduza um veículo automóvel é permitir um assassínio indiscriminado de cidadãos inocentes. Isto porque em cada dia que um português pega no seu carro é mais provável que uma pessoa morra do que haja contágio por HIV de cada vez que o cozinheiro seropositivo entra numa cozinha industrial.

Mas podemos continuar a lista: morrem muito mais pessoas por ano de desastres de avião, de afogamento nas praias ou mesmo de doenças raras do que pessoas que seropositivizam para o HIV por via de uma salada (que é ZERO desde há mais de 20 anos).

Dizer que os senhores juízes manifestam um excesso de zelo pelo bem-estar público é um eufemismo monumental.

É por estas e por outras que defendo um controlo democrático e popular do Poder Judicial, senão teremos sempre juízes que vivem no País das Maravilhas.

terça-feira, outubro 16, 2007

Then why call him God?


Is God willing to prevent evil, but not able?
Then he is not omnipotent.
Is he able, but not willing?
Then he is malevolent.
Is God both able and willing?
Then whence cometh evil?
Is he neither able nor willing?
Then why call him God?

- Epicurus

quarta-feira, outubro 10, 2007

Land of the Free, Home of the Brave






Um estudante é preso com recurso a um TASER ao fazer uma pergunta incómoda ao Senador Kerry (D).

sábado, setembro 08, 2007

Estoicismo


A physician is not angry at the intemperance of a mad patient, nor does he take it ill to be railed at by a man in fever. Just so should a wise man treat all mankind, as a physician does his patient, and look upon them only as sick and extravagant.

-- Lucius Annaeus Seneca

quinta-feira, setembro 06, 2007

RIP


Quando o disco de um computador morre e quando se torna evidente que a nossa disciplina de backups é sub-óptima há um sentimento que nos invade: desespero!

Desespero de pensar em todo os meses de trabalho perdido, em tudo o que é necessário fazer de novo, em voltar a trilhar o mesmo caminho...

Porque é que não fiz backups ontem??

segunda-feira, setembro 03, 2007

sábado, setembro 01, 2007

Rentrée


Este post marca o meu regresso à escrita neste blog e a minha recusa em comentar os assuntos da silly season que espero que acabe depressa.

Não há paciência para Eufémias Verduscas nem para disparates sobre Organismos Geneticamente Modificados. Nunca vi tanta gente que reclama ser especialista sobre o assunto dizer tanto disparate sobre a matéria.. e disparates vindos dos dois lados da discussão.

Li um post dizendo que a Penicilina é um fungo, outro dizendo que o genoma humano era o maior genoma conhecido. Enfim, observações que, para além de serem manifestamente falsas, são totalmente irrelevantes para a discussão.

Ninguém referiu que, apesar de não se poder garantir que os organismos transgénicos não sejam totalmente inócuos, se sabe que vários organismos usados na alimentação humana actualmente podem ser prejudiciais e muitos produzem substâncias letais, embora em muito pequena quantidade. Por exemplo, uma parte significativa da população é alérgica ao milho e a outras gramíneas e a batata quando cortada começa a produzir cianeto. Nunca ninguém sugeriu que a plantação de milho ou batata devesse ser abandonada.

Nesta discussão é importante ter a sobriedade de saber fazer análises de risco/benefício face à informação disponível. Muitos dos argumentos, no entanto, parecem-me ser o resultado de concepções essencialistas e de um desejo de transformar a sociedade moderna numa sociedade de silvícolas.

segunda-feira, julho 02, 2007

quinta-feira, junho 28, 2007

Jornalismo de Sarjeta

Afinal não é só em Portugal que temos jornalismo de sarjeta. Vejam este vídeo sobre um incidente que ocorreu na minha cidade favorita.


sexta-feira, junho 22, 2007

Fierté à Lyon 2007




Le but du GayPride n'est point et ne fut jamais montrer une image véritable des gays ni pour les autres ni pour eux-mêmes. C'est une fête que signale un fait réel -- la révolte de Stonewall -- affirmant le droit que tous les citoyens ont d'exprimer leur nature sur tous les moyens qu'ils veuillent. Et ça inclut, notamment, le droit a être effeminé, et folle et hystérique si on veut.

ll ne s'agit point d'une manoeuvre de marketing pour demander pitié aux hétéros, ou encore pour exiger des droits autres que ceux apportés par leur statut d'êtres humains. Il me paraît, par contre, qu'il y a encore un long chemin à parcourir dans la communauté homosexuelle elle-même.

Il y aura peut-être un temps où toutes les manifestations de fierté homosexuelle seront inutiles mais aujourd'hui ce n'est point le cas. Plusieurs hommes et femmes vivent cachés et ont toujours honte de leur condition. On ne peut point laisser tomber les bras seulement parce-qu'on est suffisamment fortunés de pouvoir vivre sans peur et sans honte.. il y a encore tous nos autres concitoyens.

segunda-feira, junho 18, 2007

PROTESTO


As pessoas não podem.. NÃO PODEM.. continuar a adoptar o newspeak jornalístico jornaleiro português e substituir todas as palavras de uso corrente com variações terminadas em -idade.

Já não se diz acesso, diz-se acessibilidade.

Bolas, um local tem acessos e com isso tem melhor acessibilidade. Mas não fica com mais acessibilidades.

Já não se diz posses, mas possibilidades.

Não entendem que a palavra posses se refere à noção de possuir, e a palavra possibilidades se refere à noção daquilo que é possível?

Mais chocante ainda, há cada vez mais gente a substituir virtudes por virtualidades e a andam por aí a discutir o facto de ainda não estarem convencidos das virtualidades da Ota!

WHAT THE FUCK?

Isso quer dizer o quê? Que ainda não estão convecidos que a Ota é virtual?!?!

Mas num país em que a tradição burocrática de pseudo-formalidade hiperbólica já nos habituou a ler elementos arbóreos em vez de árvores, zona balnear em vez de praia e estabelecimento nocturno com área destinada à dança em vez de discoteca é natural que pessoas que pouco evoluíram desde a sua fase pré-literária sintam necessidade de compensar o vácuo cognitivo pelo excesso de forma atingindo o ridículo e o erro semântico.

Linguagem SMS no início da Cristandade



Para aqueles que se preocupam com a literacia dos adolescentes do nosso tempo, aconselho este texto que explica que estão apenas a seguir a tradição milenar de utilizar abreviaturas como forma de economia de esforço.

quinta-feira, junho 07, 2007

O anti-americanismo


The law of nations is founded upon reason and justice, and the rules of conduct governing individual relations between citizens or subjects of a civilized state are equally applicable as between enlightened nations. The considerations that international law is without a court for its enforcement, and that obedience to its commands practically depends upon good faith, instead of upon the mandate of a superior tribunal, only give additional sanction to the law itself and brand any deliberate infraction of it not merely as a wrong but as a disgrace. A man of true honor protects the unwritten word which binds his conscience more scrupulously, if possible, than he does the bond a breach of which subjects him to legal liabilities; and the United States in aiming to maintain itself as one of the most enlightened of nations would do its citizens gross injustice if it applied to its international relations any other than a high standard of honor and morality. On that ground the United States can not properly be put in the position of countenancing a wrong after its commission any more than in that of consenting to it in advance. On that ground it can not allow itself to refuse to redress an injury inflicted through an abuse of power by officers clothed with its authority and wearing its uniform; and on the same ground, if a feeble but friendly state is in danger of being robbed of its independence and its sovereignty by a misuse of the name and power of the United States, the United States can not fail to vindicate its honor and its sense of justice by an earnest effort to make all possible reparation.

-- Mensagem do Presidente Cleveland ao Congresso a propósito do derrube da monarquia do Havaí, 1893


Ao contrário do que se diz aqui, a verdadeira razão para os Estados Unidos terem tantos inimigos não é o facto de serem um país "livre", mas antes por terem, em tantas ocasiões da sua história, ignorado as obrigações morais que o Presidente Cleveland aqui menciona (começando logo em 1893) e não se coibindo de interferir no governo e destinos de outros países, com ou sem boas intenções, mas muitas vezes com resultados indesejáveis.


Sustentar que as inimizades com os Estados Unidos são meras manifestação de um ódio para com a liberdade, de que os Estados Unidos seriam o exemplo paradigmático, é insistir numa visão maniqueísta do mundo. De um lado o mundo livre e do outro uma massa acéfala de seres que nasceram com um ódio pela liberdade. É verdade que muitos regimes totalitários alimentam o anti-americanismo como parte da sua propaganda de regime, mas não são estas pessoas que se rebentam e se suicidam para conseguir alcançar alguma retribuição contra o gigante americano. Os verdadeiros inimigos da América são aqueles cuja vida ou a vida dos seus concidadãos foi profundamente afectada pela política externa norte-americana ao longo das últimas décadas.




Freedom of Press



A liberdade de imprensa para o Partido Republicano nos Estados Unidos.

quarta-feira, junho 06, 2007

sábado, junho 02, 2007

But He loves you!



Religion has actually convinced people that there's an invisible man - living in the sky - who watches everything you do, every minute of every day. And the invisible man has a special list of ten things he does not want you to do. And if you do any of these ten things, he has a special place, full of fire and smoke and burning and torture and anguish, where he will send you to live and suffer and burn and choke and scream and cry forever and ever 'til the end of time... But He loves you!

-- George Carlin

Mais um aviso a Leste




Estes senhores não gostam de ibéricos. A detenção dos portugueses e espanhóis em Riga foi baseada na queixa de uma testemunha ocular cuja descrição dos acontecimentos só coincide com a dos detidos no facto de que foram retiradas bandeiras letãs. Os detidos afirmam que foram arrastados pela polícia, que tiveram armas apontadas à cabeça e que estiveram a comer comida fora de prazo. Um dos detidos sofre da doença de Crohn, o que obriga a certos cuidados médicos e usualmente uma dieta especial - não foi assistido por ninguém. A comunidade prisional tem uma animosidade grande contra os detidos porque os media letãos têm sugerido uma associação entre este caso e o caso de um outro português que teria sido acusado de pedofilia.

União Europeia, um espaço de liberdade?

quinta-feira, maio 31, 2007

SNS


Embora simpatize com o Movimento Liberal-Social não posso concordar com a posição do movimento acerca do Sistema Nacional de Saúde.

O argumentário da proposta do MLS refere que:

As tecnologias de saúde disponíveis tendem a ter custos cada vez mais elevados, devido ao seu cada vez maior requinte tecnológico


A que corresponde, em princípio, um aumento da qualidade dos cuidados prestados.

As pessoas que necessitam de cuidados de saúde nem sempre têm consciência destes elevados custos e requerem frequentemente uma utilização imoderada dos mais modernos e dispendiosos meios possíveis


O problema da falta de consciência dos custos pode ser colmatado de duas formas: uma referência explícita ao custo dos cuidados prestados a ser entregue ao utente e versar uma parte dos custos, de forma proporcional, em taxas moderadoras. De resto, os utentes podem requerer o que quiserem, mas em última análise são os médicos, de acordo com práticas e directrizes hospitalares, que decidem quais são os meios de diagnóstico e as terapêuticas a aplicar, não os utentes.

É problemático o Estado decidir, de forma universal, quais as técnicas e tecnologias que pode disponibilizar gratuitamente no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (SNS)


Não entendo o que é que isto significa.

Como consequência de escolhas incongruentes por parte do Estado, muitas pessoas não têm acesso a cuidados de saúde básicos, por exemplo, na área da medicina dentária, enquanto outras pessoas recebem gratuitamente cuidados de saúde de necessidade questionável, por exemplo, na área da medicina da reprodução;


O SNS fornece cuidados de saúde na área da estomatologia, embora não cubra os custos dos actos dos médicos dentistas nem as actividades dos higienistas orais. Pode haver, de facto, alguma incoerência nesta opção.

As pessoas que dependem do SNS não têm liberdade na escolha quanto aos cuidados de saúde que consideram prioritários para o seu caso pessoal


A não ser que as pessoas sejam médicos diplomados é normal que não estejam em condições de escolher os cuidados de saúde prioritários para o seu caso pessoal.

Muitas terapias não convencionais não são abrangidas pelo SNS, apesar de serem benéficas em muitas condições


Os benefícios das terapias não convencionais estão longe de estar demonstrados para além do efeito placebo, no entanto existe uma lei proposta pelo BE que abre caminho à comparticipação dessas práticas terapêuticas. Aguarda apenas regulamentação.

Depois deste "diagnóstico" o MLS propõe um sistema tripartido com cuidados de saúde gratuitos e financiados pelos impostos para: medicina preventiva, vacinas, tratamento de doenças contagiosas e algumas condições crónicas. E aqui, dependendo de quantas condições crónicas quisermos incluir (segundo que critério? por decisão de quem?) arrumamos com uma grande quantidade de doenças e custos. (Só a título de exemplo, os anti-retrovirais representam 90% da despesa total dos hospitais em medicamentos) e deixamos de fora todas as condições agudas que ocorrem sobretudo no fim da vida: e.g. acidentes vasculares cerebrais.

Para as restantes condições deveriam haver contas-poupança saúde e um seguro obrigatório para tratamentos de custos muito elevados devendo o utente "utilizar a sua Conta-Poupança Saúde para pagamento dos cuidados de saúde que entenderem, competindo-lhes escolher, sob prescrição médica e de assistentes sociais, os tratamentos e fármacos a utilizar, e o grau de conforto das instalações hospitalares". A ideia de ter os utentes a escolher o tratamento e fármacos a utilizar espero ser uma paráfrase de "consentimento informado", porque de outra forma não faz sentido absolutamente nenhum. Os doentes têm todo o direito a serem informados do tipo de tratamento que lhes é recomendado, de toda a lógica por detrás dos actos médicos que lhe vão ser aplicados e de conferenciar com o seu médico assistente, mas é no mínimo caricato propôr-se que devem participar numa espécie de processo de co-decisão.

De resto, ao propor-se o seguro médico obrigatório, reconhece-se que uma conta-poupança saúde pode ser insuficiente para cobrir a miríade de situações em que uma pessoa pode requerer cuidados de saúde. Isto porque o problema deve ser contextualizado no domínio do risco. Assim, um seguro de saúde obrigatório deveria ser tudo o que é necessário para garantir a prestação de cuidados quando necessários. O financiamento do SNS através dos impostos não é muito diferente de um seguro de saúde obrigatório, excepção feita ao facto de que a avaliação do risco não tem repercussão nos pagamentos, mas sim o rendimento do utente. Mas que tipo de avaliação do risco estaríamos dispostos a aceitar? Avaliação de predisposições genéticas? Avaliação do estilo de vida? Idade?

Acho que devemos concentrar-nos em encontrar modelos de gestão dos equipamentos e de financiamento dos prestadores de serviços que permitam uma utilização eficaz do SNS em vez de tentar encontrar novos modelos de financiamento que, a medir pela proposta do MLS, apresentam mais problemas do que aqueles que resolvem.

Neste domínio acho que o Estado deve fazer cada vez menos distinção entre operadores públicos e privados devendo o utente poder escolher livremente qual a instituição onde pretende receber tratamento. E é perfeitamente razoável que o utente possa fazer contas-poupança saúde ou realizar seguros de saúde para complementar a cobertura do SNS se quiser receber cuidados com uma qualidade superior (quarto individual, assistência permanente de um enfermeiro, etc). No entanto, quem conhecer o panorama da saúde em Portugal sabe que os cuidados prestados nos hospitais privados não são necessariamente melhores do que os que são prestados nos hospitais centrais públicos, antes pelo contrário.

Se olharmos para os sistemas de saúde a nível mundial vemos que nos Estados Unidos, não havendo um sistema universal de prestação de cuidados, temos um dos mais ineficientes sistema de saúde à escala global com um custo elevadíssimo para os serviços prestados, para não referir a escassa percentagem da população que tem efectivamente acesso a cuidados hospitalares. Por outro lado, a França, com um bom nível de prestação de cuidados e com cobertura de várias situações clínicas (incluíndo medicina oral) é um dos sistemas de saúde mais eficientes.


De resto, os problemas de financiamento da saúde, e das outras prestações do Estado-Providência, estão relacionadas, como se sabe, com o envelhecimento da população. Mas o MLS diz:

O Estado poderá cobrir, para além dos cuidados de saúde acima referidos como gratuitos, doentes crónicos, doenças genéticas, casos catastróficos e cuidados extra, necessários na Terceira Idade


Acho que só ficaram de fora as constipações. Oops, nem isso! são contagiosas!

Uma solução para resolver o problema do financiamento é aumentar o tempo das carreiras contributivas, ou seja, aumentar a idade de reforma. Ou se gostarmos de contas-poupança.. porque não uma contas-poupança senescência?