Greve
O problema de escrever sobre assuntos da actualidade é que são falados por todos e torna-se difícil retirar algum tipo de sentido da avalanche de opiniões e contra-opiniões que são veiculadas. Não é por acaso que todas as boas reflexões sobre as coisas são feitas com o distanciamento necessário. E é também por isso que se legisla antes do facto, para o futuro.
Apesar disso, atrevo-me a dizer o seguinte.
Decidiram alguns dirigentes do associativismo estudantil que se cumpriria hoje uma "greve" nacional no Ensino Superior. Iniciativa que colheu rapidamente junto dos outros estudantes que diligentemente fizeram o que, de resto, fazem demasiado amiúde durante o ano lectivo, mas agora numa ocasião legitimada pela luta contra o Governo.
As razões apontadas para justificar esta jornada de luta têm a ver com a nova lei do financiamento do Ensino Superior que, entre outras medidas, exige a fixação de propinas entre uma baliza de valores consideravelmente superiores aos anteriormente praticados.
Algo vai mal no Ensino Superior. Algo sempre foi mal no Ensino Superior.
Mas esta posição dos estudantes está viciada por uma série de erros de análise, algum egoísmo e muita irresponsabilidade.
Em primeiro lugar, acha-se que o Ensino Superior é algo que deve ser dado aos cidadãos pelo Estado. Um direito sagrado que deve ser disponibilizado gratuitamente, para que caminhemos rapidamente para uma "sociedade da informação e do conhecimento".
Ora, se a educação superior é um bem público, na medida em que há vantagens inegáveis em dispôr de mão-de-obra qualificada para o crescimento económico e evolução do nível de vida das populações, também é verdade que o primeiro e imediato beneficiário da educação superior é o estudante. Assim, a frequência de um curso universitário ou politécnico deve ser, em primeiro lugar, visto como um investimento do estudante nele próprio. É nestes moldes que deve ser vista a relação do estudante com a Universidade.
O interesse público do Ensino Superior deve manifestar-se nos investimentos feitos pelo Estado nas Universidades, não nos estudantes. Mas investimento não é o mesmo que despesas operacionais. As propinas deveriam, efectivamente, pagar os custos operacionais do ensino.
Se nem todos os estudantes podem suportar, em condições de igualdade, os encargos relacionados com a frequência do ensino superior, deve o Estado, através dos mecanismos de acção social, fazer com que a comparticipação de cada estudante seja ajustada em função dos recursos de que este dispõe. Esta noção de solidariedade não é gratuita, simplesmente nós e o Estado não nos podemos dar ao luxo de termos pessoas eventualmente brilhantes que deixem de frequentar as Universidades por causa de dificuldades económicas.
A situação em que anteriormente nos encontrávamos era verdadeiramente insustentável.
A educação superior tinha-se tornado no bem público mais subsidiado pelo Estado, em detrimento de todos os outros, criando situações de manifesta injustiça. Portugal não é um país rico e os recursos nunca são ilimitados. Era imperativo que quem pudesse pagar, pagasse efectivamente. Para permitir até que os estudantes mais carenciados possam usufruir de mais acção social.
Resta saber, efectivamente, que outras medidas serão tomadas pelo Governo para reificar esta visão. Esta lei do financiamento não veio resolver todos os problemas.
Em segundo lugar, muita gente acha que mais graduados é um bem em si mesmo e rapidamente se vêem estatísticas comparando a percentagem de graduados em Portugal e noutros países.
Isto é uma enorme falácia. O que faz uma economia debilitada, sub-desenvolvida e muitas vezes arcaica com uma avalanche de especialistas? Não faz absolutamente nada.
O resultado disto é o engrossamento das listas de desemprego para a mão-de-obra especializada e a fuga para o estrangeiro (designadamente, Estados Unidos) dos melhores cérebros que saem das nossas Universidades, cuja formação tem sido, na prática, totalmente financiada pelo Estado Português.
Este panorama só vem dramatizar a situação. Estar a dar acesso gratuito à formação superior a todos os alunos, independentemente dos seus recursos financeiros, numa estratégia de embelezar as estatísticas tem como resultado uma catástrofe económica.
É necessário investir na economia, em laboratórios e no emprego científico.
Esta revolta dos estudantes teria todo o sentido se reclamasse uma modernização da economia, se exigisse mais rigor nas Universidades, se exigisse uma eficaz acção social.
No entanto, o objectivo desta luta é o status quo. O que não deixa de ser muito curioso para uma classe a que muita gente atribui a responsabilidade de ser o motor da mudança.