terça-feira, maio 04, 2004

Vale a pena ser licenciado?


Na edição de segunda-feira do Público aparece uma referência a um estudo realizado por um técnico do Banco de Portugal que, segundo o artigo jornalístico, concluia que os licenciados portugueses ganham, em média, mais 80% do que os seus colegas que frequentaram apenas o ensino secundário. Por conseguinte, seria então absolutamente vantajoso ser detentor de uma licenciatura, apesar das propinas e dos custos de oportunidade.

Este artigo merece vários comentários.

O artigo refere que o estudo foi feito por meio de inquérito a vários trabalhadores por conta de outrém do sector privado e utilizou dados referentes a 1999. A população incluía trabalhadores entre os 20 e os 60 anos. Metade do universo analisado dizia respeito a indivíduos com licenciatura, a outra metade a indivíduos com o ensino secundário.

De seguida proponho um exercício: o que é que há de estranho com este estudo?

1. Os dados dizem respeito a 1999, um período económico muito diverso do actual e em que os custos de frequência do ensino superior público eram manifestamente inferiores aos custos actuais;

2. O estudo deixa de lado alguns grupos importantes:

  • O sector público, que representa mais de 50% da população activa

  • Os trabalhadores por conta própria apenas com o ensino secundário, onde encontramos, porventura, a maior parte dos empresários das pequenas e médias empresas portuguesas, com rendimentos francamente superiores ao trabalhadores por conta de outrém

  • Os trabalhadores por conta própria com licenciatura, onde, admitidamente, deverão verificar-se igualmente maiores rendimentos do que os licenciados a contrato

  • Dependendo da forma como os dados foram recolhidos, podem ter sido deixados de fora igualmente, todos os trabalhadores com um grau de licenciatura e que acabaram por exercer uma actividade diversa do âmbito do seu curso e terão sido igualmente ignorados os recém-licenciados no desemprego (síndrome do trabalhador saudável)


3. Por outro lado, parece estranho que, olhando para um universo de pessoas que mistura recém-licenciados com trabalhadores que se licenciaram há 40 anos se usem esses mesmos dados para concluir da vantagem económica de tirar uma licenciatura no futuro próximo.

4. Aparentemente o estudo não teve em conta os vários gastos acrescidos que muitos alunos têm para frequentar o ensino superior, designadamente alimentação e alojamento, se considerarmos os estudantes deslocados, que poderiam alterar dramaticamente as suas conclusões.

Será então este estudo um verdadeiro desmascarar dos mitos relativos a falta de empregabilidade dos cursos superiores em Portugal?

Em boa justiça, uma resposta definitiva só poder ser dada com uma análise atenta do estudo o que, manifestamente não fiz. Por outro lado, seriam necessários mais dados, designadamente em relação ao sector público e aos trabalhadores por conta própria, para permitir retirar conclusões amplamente sustentadas.

De resto, estão convidados a ler o estudo completo aqui.


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