quarta-feira, setembro 29, 2004

De volta ao trabalho



Com o início deste semestre começa também uma nova fase da minha vida.

Depois de terminar a licenciatura decidi deslocar-me em contra-ciclo. Após cerca de 6 anos no mundo real, com recibos de ordenado e IRS para pagar, eis que deixo a indústria para voltar a ser estudante, no sentido estrito.

Iniciei este mês o meu mestrado - um percurso que me deverá ocupar cerca de um ano.

Juntamente com promessas de realização pessoal, por via da actividade de investigação, vêm os votos de uma vida monástica suportada por pouco mais do que uma bolsa que representa apenas uma fracção daquilo que qualquer recém-licenciado consegue no mundo do trabalho.

Muitos se interrogam se não terá sido uma atitude temerária, especialmente se tivermos em conta as oscilações imprevisíveis da economia, deixar um emprego estável e um contrato sem termo para perseguir um sonho.

O mundo real e o mundo académico não se compadecem com lirismos oníricos. Seria, por isso, um sinal de ingenuidade pensar que poderia justificar esta minha decisão com uma mera fixação de juventude. Se assim fosse, poderia igualmente perseguir uma carreira como guarda-freio, com a qual sonhava frequentemente na infância.

Antes de mais, optar por um mestrado a tempo inteiro é um desafio, uma auto-descoberta, um teste ao limite das minhas capacidades. O próximo ano ditará aquilo que eu quero realmente fazer no futuro.

Para já, o balanço é positivo. A par do estímulo intelectual, que tem sido sempre a fonte da minha força vital, a experiência de ensino tem-se revelado enriquecedora.

O veredicto fica para depois. Até lá, viverei o hic et nunc.


sexta-feira, julho 23, 2004

News Flash



Concluí a minha licenciatura.

Perdoem a minha paroquiana necessidade de partilhar isto com o mundo


segunda-feira, julho 12, 2004

Arte e os Artistas



Começou por ser um comentário meu aqui, mas que decidi transcrever aqui na íntegra.



"A arte, simultaneamente o cúmulo da inutilidade e a expressão máxima do génio humano, é intrinsecamente paradoxal.

O que leva uma sociedade a valorizar e admirar algo que não serve nenhum propósito utilitário, mas que apela incessamente às sensibilidades, ao sentido estético e mesmo à experiência do numinoso?

Posso oferecer duas respostas.

A primeira tem a ver com aquilo que é ser humano. A arte apresenta-se como um desafio às emoções, ou como uma experiência erótica. Porque a arte dá-nos prazer, dá-nos sensações intensas. Permite-nos admirar a beleza do nosso engenho e criar mundos imaginados, sugerir significados ocultos, estabelecer ligações insuspeitas entre entes banais...
A arte perfigura-se, assim, como a mais elevada das acções humanas. Algo que só pode ser levado a cabo por seres capazes de ver a essência do mundo real e, a partir dele, inventar um mundo novo que serve de suporte à obra.

A segunda pode ser ilustrada por outros exemplos da Natureza, em que parece estar-se a valorizar o inútil. Porque razão é que o pavão carrega as suas faustosas penas quando estas, sem dúvida, representam uma desvantagem no que diz respeito à evasão a predadores? A resposta é que um pavão que consegue exibir a sua magnífica penugem e, ainda assim, evitar predadores e apresentar um aspecto saudável é, efectivamente, um exemplar meritório e de um apelo sexual intenso para uma pavoa. Do mesmo modo, o artista na civilização humana é um ser atraente. Alguém que consegue criar algo inútil e, ainda assim, evitar ser um indigente é inevitavelmente sexy. E todos queremos ser sexy, mas só alguns acabam sendo artistas..

Bem hajam os artistas!"

Pedro Santana Lopes





O primeiro-ministro, doutor José Manuel Durão Barroso, pediu a sua demissão ao senhor Presidente da República tendo em vista a presidência da Comissão Europeia.

Um português como Presidente da Comissão Europeia é prestigiante para o País e, sobretudo, prestigiante para Durão Barroso que se torna, assim, o primeiro presidente da Comissão oriundo de um País não fundador. Não se adivinha nenhuma vantagem estratégica para Portugal porque a aceitação do cargo pressupõe, como seria justo e desejável, uma estrita imparcialidade no tratamento dos vários estados-membros.

A saída de Durão Barroso foi uma decisão pessoal, legítima, mas com consequências políticas inéditas em Portugal.

Em 2002 realizaram-se em Portugal eleições legislativas. Nos éditos publicados em todo o País, por essa ocasião, podia ler-se "Eleições para os Deputados à Assembleia da República".

Constituída a nova Assembleia, o senhor Presidente da República convidou Durão Barroso para formar governo, depois de ouvir os partidos com assento parlamentar e tendo em conta os resultados eleitorais.

O Governo da República é o órgão executivo da Nação e é responsável perante o Presidente e, no âmbito da responsabilidade política, perante a Assembleia da República (artº 190º da C.R.).

Assim, em Portugal, não se elegem Governos.

O Partido Social Democrata apresentou ao eleitorado, por ocasião das eleições, um Programa Eleitoral que foi sufragado. Na sequência da formação do Governo de Durão Barroso, para o qual se estabeleceu uma coligação com o CDS-PP, foi apresentado à Assembleia da República um Programa de Governo que foi aprovado.

Com a saída de Durão Barroso, e consequente queda do Governo, o senhor Presidente da República irá indicar um novo primeiro-ministro. O Governo que daqui resultar terá de apresentar à Assembleia da República um novo Programa de Governo. Os deputados com assento no parlamento que se encontram a exercer o seu mandato de quatro anos irão avaliar a compatibilidade deste Programa com o Programa Eleitoral que serviu de base à sua eleição.

Se o programa de Governo não for aprovado, o Governo cai.

Deste modo, em Portugal, os Governos dependem indirectamente dos Programas Eleitorais dos partidos que estão na base da eleição dos deputados à Assembleia da República.

Havia ainda a possibilidade de o senhor Presidente da República dissolver a Assembleia e convocar novas eleições. Isto faria todo o sentido caso estivesse em causa a legitimidade dos deputados eleitos ou se houvesse uma indefinição política que exigisse clarificação. Por princípio, o mandato dos deputados deve durar quatro anos e essa é a essência fundamental da democracia representativa.

Do ponto de vista político, não posso dizer que estou amplamente satisfeito com a perspectiva de o senhor Santana Lopes vir a ser primeiro-ministro de Portugal. No entanto, o senhor Santana Lopes tem tudo para me supreender pela positiva e muito pouco para me surpreender pela negativa.

A alternativa era, claramente, um governo socialista liderado pelo senhor Ferro Rodrigues.

A reacção de vários dirigentes socialistas à decisão do senhor Presidente da República foi, no mínimo, deselegante.

O facto de Ferro Rodrigues se demitir na sequência do anúncio da decisão presidencial invocando o facto de esta constituir uma derrota pessoal não só denota que o PS concebe a Presidência da República como uma espécie de órgão eleito por procuração como se constitui como um sinal de uma total ausência de sentido democrático e respeito institucional. O senhor Ferro Rodrigues teve muitas melhores oportunidades para apresentar a sua demissão. Ao apresentá-la agora, neste contexto, e a poucas semanas depois de um resultado eleitoral histórico nas eleições europeias só demonstra que o Partido Socialista estava longe de estar em condições para se apresentar a eleições legislativas com o ex-líder e de eventualmente formar uma equipa de Governo.

As declarações de Ana Gomes e de Manuel Alegre para além de invocarem novamente razões de natureza pessoal, que continuam a deixar-me perplexo pela sua imaturidade, acrescentaram ainda que a democracia estava em perigo. Ana Gomes disse mesmo que esperava que a democracia se restabelecesse em Portugal em 2006.

A gravidade destas declarações só pode ser mitigada pela possibilidade de estes senhores acreditarem genuinamente que só é possível uma Democracia com um governo socialista no Poder.

Apesar de acusações de populismo e demagogia, o partido agora liderado pelo senhor Pedro Santana Lopes teve uma postura muito mais democrática, muito menos populista e muitíssimo menos demagógica do que os partidos da oposição e, em particular, do que o Partido Socialista.

Espero, sinceramente, que esta postura de Estado evidenciada pelo PSD liderado por Santana Lopes seja o eixo condutor dos próximos dois anos. Se assim for, Pedro Santana Lopes começa já a surpreender-me.

Euro 2004





É difícil não ficar emocionado com que assistimos durante o Euro 2004.

As emoções, as bandeiras, o hino cantado em uníssono pelos inflamados peitos de portugueses e portuguesas. É difícil, porque tudo isto apela aos sentimentos mais primários de cada ser humano. Uma espécie de tribalismo moderno, que terá, certamente, o seu papel na prevenção da violência, permitindo a sublimação de alguns dos mais básicos instintos de territorialidade.

É também a prova cabal que o ser humano está inexoravelmente próximo do macaco. Não há nada de verdadeiramente digno, racional ou louvável naquilo que assisistimos durante essas últimas duas semanas.

É efectivamente a catarse do povo. A catarse pela alienação. De repente, nada mais importa.

E a união da tribo contra os bárbaros invasores não durou mais do que essas duas semanas. Não se extraiu daí nada que possa ser usado para o progresso do país, excepto algumas centenas de alcoólatras que descobriram que em Portugal se pode beber em todo o lado até às tantas da manhã e que, certamente, voltarão para estimular a indústria cervejeira.

Não teria sido mais barato fornecer gratuitamente a todo o país um alucinogénio com efeitos durante 15 dias? Do que construir uma dezena de estádios que estão agora condenados a ser fantasmas do europeu de futebol?

Sem dúvida, a organização do campeonato projectou grandemente a imagem de Portugal no estrangeiro e foi um exemplo de como um pequeno país pode levar a cabo um projecto da dimensão e complexidade do Euro. Mas não se retire mais do que isto. Não serviu, como muitos dizem, para dar um novo alento à alma lusitana. Todos esses efeitos foram meramente paliativos. Os problemas do País continuam os mesmos. O povo não está mais unido. A economia continua por reabilitar.

É preciso mais do que por as pessoas a pendurar bandeiras no estendal.

sexta-feira, julho 09, 2004

Não têm havido posts.. Estou demasiado ocupado a terminar a licenciatura.

Prevêm-se notícias dentro de uma semana, e comentários aos últimos acontecimentos.

sexta-feira, maio 21, 2004

Milagres





A indústria dos milagres move vários milhões de euros por ano em toda a Europa. Astrólogos, Tarólogos e outros Videntes prometem a solução para todos os problemas do quotidiano, fazendo recurso a "sabedorias ancestrais", pouco compreendidas pela actual sociedade. Este alegado desconhecimento não impede, contudo, que muitas sejam as pessoas que recorrem a este tipo de práticas numa tentativa de resolver as suas pequenas tragédias pessoais.

Não é necessário estar muito atento para ver solicitações deste tipo de serviços nos jornais e na televisão. Linhas de valor acrescentado, programas de computador, consultórios especializados.. todos prometem uma eficaz resolução dos problemas a troco de uma quantia em dinheiro que é relativamente modesta quando comparada com o efeito que é antecipado.

Políticos, personagens do jet-set e donas-de-casa, recorrem a este tipo serviços com regularidade e quase que se tornou politicamente incorrecto adoptar um atitude céptica face a estes milagreiros e milagreiras.

Em Portugal, o sensato Código de Publicidade dispõe o seguinte:


Artigo 22.º-B


Produtos e serviços milagrosos


1 – É proibida, sem prejuízo do disposto em legislação especial, a publicidade a bens ou serviços milagrosos.

2 – Considera-se publicidade a bens ou serviços milagrosos, para efeitos do presente diploma, a publicidade que, explorando a ignorância, o medo, a crença ou a superstição dos destinatários, apresente quaisquer bens, produtos, objectos, aparelhos, materiais, substâncias, métodos ou serviços como tendo efeitos específicos automáticos ou garantidos na saúde, bem-estar, sorte ou felicidade dos consumidores ou de terceiros, nomeadamente por permitirem prevenir, diagnosticar, curar ou tratar doenças ou dores, proporcionar vantagens de ordem profissional, económica ou social, bem como alterar as características físicas ou a aparência das pessoas, sem uma objectiva comprovação científica das propriedades, características ou efeitos propagandeados ou sugeridos.

3 - ....

4 - ....

5 - .....».


Apesar de, a meu ver, esta norma ser praticamente letra morta, uma vez que se fosse efectivamente cumprida não veríamos a quantidade de anúncios a linhas de Astrologia e Tarot que vemos na televisão, há casos onde foi efectivamente aplicada. Assim, recentemente, um astrólogo-vidente-cartomante foi condenado ao pagamento de uma sanção de 2000 euros por violação do supracitado artigo do Código de Publicidade. De recurso em recurso, o caso chegou ao Tribunal Constitucional, onde o réu arguiu que a referida norma se constituia como uma limitação inconstitucional ao direito à informação e à liberdade de expressão.

O Tribunal Constitucional indeferiu o recurso, referindo que a própria Constituição da República prevê uma disciplina para a publicidade e que a actual legislação cumpre irrepreensivelmente essa necessidade de regulamentação, não atentando contra os direitos referidos pelo recorrente.

Não posso deixar de me congratular por esta decisão. Que seja, ao menos, na sensatez das suas leis que Portugal tenha algo a ensinar ao resto do Mundo.

segunda-feira, maio 10, 2004



Não tenho quaisquer intenções de me tornar um crítico de televisão, mas há certas coisas que merecem um comentário.

Aquilo que deveria ser uma celebração da beleza feminina, está transformado num exercício cruel de apuramento da próxima rainha das mulheres-objecto.

Um homem que deve ter sido manequim na primeira república, uma tipa com um ego maior que o cérebro, outra saída de um filme da Adam's Family e um borjeço misógeno protagonizam um cobarde espectáculo de achincalhamento de jovens raparigas que têm a ingenuidade de pensar que se podem tornar pessoas melhores com idas ao cabeleireiro.

Da tolerável hipocrisia de declarações de amor pela paz e de solidariedade na luta contra a fome no mundo, involuímos para um espectáculo mediático de exploração da pobreza de espírito. Será delas, talvez, o reino dos céus, mas poupem-nos à terrena contemplação dessa humilhação auto-infligida.

terça-feira, maio 04, 2004

Revisão Constitucional



No jornal Público de hoje podemos encontrar um artigo de opinião do senhor deputado António Pinheiro Torres acerca de uma das alterações ao texto da Lei Fundamental de teor semelhante à declaração de voto que foi oportunamente apresentada durante o período de votações em sede de revisão constitucional.

A alteração a que se refere o senhor deputado diz respeito ao Princípio da Igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República, ao qual foi aditada a proibição de discriminação em função da orientação sexual (termo cuja autoria o senhor deputado atribui às associações de homossexuais, talvez querendo, com isso, dizer que o conceito não existe).

O senhor deputado, apesar de não ter votado contra a alteração, defende uma tese curiosa para se insurgir contra esta reforma do princípio da igualdade.

A tese apresentada tem várias facetas, todas elas apresentadas de uma forma eufemizada, e que convém analisar.

Em primeiro lugar, refere a inutilidade da alteração arguindo que a Constituição já garante abstractamente a proibição de quaisquer formas de discriminação, bem como a igualdade perante a Lei e a mesma dignidade social de todos os cidadãos.

Ora, o mesmo raciocínio poderia ser aplicado a quaisquer das características enumeradas no número 2 do artigo 13º. Sendo assim, seria, talvez, preferível adoptar uma redacção em que se colocasse em evidência não as razões pelas quais não se pode ser discriminado, mas sim as razões pelas quais se deve ser discriminado, designadamente o mérito, o talento e as virtudes. Em todo o caso, não tem sido essa a tradição e o método das declarações de direitos modernas, em que se pretende dar ênfase à proibição das formas hodiernas de perseguição e discriminação nas quais se inclui, sem sombra de dúvida, a discriminação contra os homossexuais.

O senhor deputado acrescenta ainda que sendo a orientação sexual algo do foro íntimo do indivíduo deve o Estado abster-se de legislar sobre a matéria, especialmente se se tratar de normas constitucionais.

Ao fazer esta afirmação, o senhor deputado incorre num equívoco. Subjacente à visão de que um relacionamento homossexual é algo do foro íntimo está a concepção da homossexualidade como uma mera opção sexual, uma escolha ao mesmo nível do sabor preferido do preservativo ou da posição sexual favorita. Não cabe na mundividência no senhor deputado que existem pessoas que nascem de modo diferente, e para quem os afectos apelam inexoravelmente a pessoas no mesmo sexo. A dimensão emocional do ser humano dificilmente pode ser relegada exclusivamente para o foro íntimo; algo a ser praticado dentro de portas e longe da vista de todos. Todos os dias vivemos os nossos afectos e eles determinam grande parte do nosso quotidiano. Não ocorre ao senhor deputado que seja legítimo a um indivíduo aspirar a que os seus afectos não o prejudiquem na sua vida profissional, nem na sua dignidade social.

Apesar de julgar a alteração inútil, por estar já consagrada implicitamente, o senhor deputado sente necessidade de apontar o dedo às consequências da adopção do novo texto. E, se lermos a declaração de voto que apresentou no parlamento, ficamos a saber que os receios do senhor deputado são de que esta consagração de igualdade legitime, de algum modo, o casamento homossexual ou a adopção por casais homossexuais ou que os "institutos jurídicos de secular formação" fiquem sujeitos à "degradação ética de gerações", por se aprovar esta alteração cedendo a "correntes de opinião, cuja vertigem última distorce a própria natureza humana".

Mais adiante o senhor deputado vaticina eufemisticamente que, ao ceder às pressões do lobby gay (seja isso lá o que for) estaremos a abrir caminho para os mais aberrantes modos de relacionamento (a 3 ou a 4). Faltou ao senhor deputado acrescentar, como fizeram uns tantos seus companheiros de ideias nos Estados Unidos que, se fosse permitido o casamento gay, prontamente apareceriam pessoas a reivindicar a possibilidade de contrair casamento com os seus animais de estimação. Ora, fazer uma afirmação deste género é confessar uma monumental ignorância acerca da natureza humana em geral e, em particular, à natureza do comportamento sexual humano.

É precisamente por existirem pessoas como o senhor deputado António Pinheiro Torres que esta alteração se justifica e se legitima. Não se trata de cumprir as "agendas políticas de associações de homossexuais", mas sim de consagrar constitucionalmente o direito que todos os indivíduos têm de viver a plenitude dos seus afectos sem estarem sujeitos a julgamentos morais redutores que atentam contra o direito fundamental de cada um viver em dignidade.




Vale a pena ser licenciado?


Na edição de segunda-feira do Público aparece uma referência a um estudo realizado por um técnico do Banco de Portugal que, segundo o artigo jornalístico, concluia que os licenciados portugueses ganham, em média, mais 80% do que os seus colegas que frequentaram apenas o ensino secundário. Por conseguinte, seria então absolutamente vantajoso ser detentor de uma licenciatura, apesar das propinas e dos custos de oportunidade.

Este artigo merece vários comentários.

O artigo refere que o estudo foi feito por meio de inquérito a vários trabalhadores por conta de outrém do sector privado e utilizou dados referentes a 1999. A população incluía trabalhadores entre os 20 e os 60 anos. Metade do universo analisado dizia respeito a indivíduos com licenciatura, a outra metade a indivíduos com o ensino secundário.

De seguida proponho um exercício: o que é que há de estranho com este estudo?

1. Os dados dizem respeito a 1999, um período económico muito diverso do actual e em que os custos de frequência do ensino superior público eram manifestamente inferiores aos custos actuais;

2. O estudo deixa de lado alguns grupos importantes:

  • O sector público, que representa mais de 50% da população activa

  • Os trabalhadores por conta própria apenas com o ensino secundário, onde encontramos, porventura, a maior parte dos empresários das pequenas e médias empresas portuguesas, com rendimentos francamente superiores ao trabalhadores por conta de outrém

  • Os trabalhadores por conta própria com licenciatura, onde, admitidamente, deverão verificar-se igualmente maiores rendimentos do que os licenciados a contrato

  • Dependendo da forma como os dados foram recolhidos, podem ter sido deixados de fora igualmente, todos os trabalhadores com um grau de licenciatura e que acabaram por exercer uma actividade diversa do âmbito do seu curso e terão sido igualmente ignorados os recém-licenciados no desemprego (síndrome do trabalhador saudável)


3. Por outro lado, parece estranho que, olhando para um universo de pessoas que mistura recém-licenciados com trabalhadores que se licenciaram há 40 anos se usem esses mesmos dados para concluir da vantagem económica de tirar uma licenciatura no futuro próximo.

4. Aparentemente o estudo não teve em conta os vários gastos acrescidos que muitos alunos têm para frequentar o ensino superior, designadamente alimentação e alojamento, se considerarmos os estudantes deslocados, que poderiam alterar dramaticamente as suas conclusões.

Será então este estudo um verdadeiro desmascarar dos mitos relativos a falta de empregabilidade dos cursos superiores em Portugal?

Em boa justiça, uma resposta definitiva só poder ser dada com uma análise atenta do estudo o que, manifestamente não fiz. Por outro lado, seriam necessários mais dados, designadamente em relação ao sector público e aos trabalhadores por conta própria, para permitir retirar conclusões amplamente sustentadas.

De resto, estão convidados a ler o estudo completo aqui.


segunda-feira, maio 03, 2004

Up-to-Date



Tendo em conta o número de leitores deste blog (que deve precisar de não mais de dois bits para representar), o facto de não haver um post há mais de um mês deverá ter tido um impacto moderado nas já debilitadas expectativas por mais um artigo. Assim, vou escusar-me a apresentar justificações para tão prolongada ausência. Em todo o caso, a falta de assunto não pode ser apontada como uma razão válida. Na realidade, há tanto de que falar que a perspectiva de escrever sobre todos esses assuntos pendentes chega a ser desmotivadora.

Este blog tem tido sempre um tom quase azedo por ter servido, sobretudo, como forma de exteriorizar uma série de frustrações do meu quotidiano, hoje queria fazer algo diferente. Começo por congratular-me pela adesão de 10 novos estados à União Europeia. A Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, Hungria, República Checa, Eslováquia, Eslovénia, Malta e Chipre são os novos países da europa comunitária. Houve comemorações um pouco por toda a Europa, especialmente nos novos membros, e foram entregues bandeiras da União a todos os municípios dos países recém-chegados. Esta mera formalidade já deu origem a uma acesa polémica na Polónia, onde se discute ainda se a bandeira da União tem ou não precedência sobre as bandeiras nacional e municipal. O governo polaco apressou-se a dizer que a "bandeira da União Europeia trata-se da bandeira de uma mera organização internacional e, por isso, dever-se-ão seguir as regras estabelecidas para esses casos". Claramente, o espírito (con)federalista ainda não chegou à Polónia.

Ainda a propósito de bandeiras e em linha com a recente identificada necessidade de recuperar o amor-próprio nacional, talvez fosse pertinente analisar a forma como é tratada a bandeira da República Portuguesa. Por cá, a bandeira nacional, por força do decreto-lei 150/87 de 30 de Março, só se desfralda, tipicamente, aos Domingos e Feriados, nos edifícios públicos. Esta norma está sujeita a várias interpretações: a bandeira nacional é elevada a tal nível de respeito e consideração que só pode ser hasteada pouco mais de 52 vezes por ano; temos vergonha ou medo de uma prática ostentativa dos símbolos nacionais; as bandeiras duram mais tempo se forem hasteadas menos vezes. Aqui ao lado, em Espanha, é comum ver a bandeira do Reino (muitas vezes, na versão de 5 panos), permanentemente hasteada em todos os edifícios públicos. É certo que Espanha sofre tensões internas que não existem em Portugal, e que, consequentemente, os símbolos servem propósitos mais extensos do que cá. Mas não seria legítimo interrogarmo-nos se uma presença mais constante dos símbolos nacionais poderia reforçar esta recente militância em prol do orgulho lusitano? Provavelmente, o espectro do fascismo, mesmo que a 30 anos de distância, faz com que não haja ainda condições políticas para que se re-invista no papel dos símbolos nacionais sem preconceitos e sem receios de nacionalismos.

Sexta Revisão Constitucional



A revisão constitucional que foi recentemente discutida e aprovada na Assembleia da República teve um carácter tão minimalista que ninguém deu por ela, tendo sido praticamente relegada para notas de pé-de-página na comunicação social. De notar é, também, que mesmo o site do Parlamento não disponibilizou ainda nem as actas da sessão nem o texto final aprovado. São, provavelmente, sinais dos tempos.. este desinteresse tão apático pela vida da República e por um dos processos mais solenes que o Parlamento pode levar a cabo.

E eis que não pude evitar o azedume do costume. Os males do mundo oprimem-me e esta é a minha catarse.



sexta-feira, março 05, 2004

Jornalismo em Português



Já não é notícia para ninguém que o jornalismo "moderno" é muito diferente do que outrora se praticava. Todos sabemos que a tese do "direito sagrado" de informar tem permitido transgredir todos os limites. Somos todos testemunhas da substituição dos serviços informativos das televisões por reality shows a que se convencionou chamar de telejornais.

Mas ainda noutro aspecto, mais subtil, se fazem sentir diferenças.

A linguagem que é possível encontrar nos jornais hoje em dia só pode ser classificada de pré-literária. Não sei se é sintoma das insuficiências do sistema educativo básico se uma consequência da multiplicação de publicações jornalísticas. Assim, para compensar a pobreza da linguagem, é possível encontrar tentativas de produção de textos recorrendo a palavras pseudo-eruditas. Nesta linha, podemos verificar que um texto jornalístico substitui invariavelmente "acessos" por "acessibilidades"; "posses" por "possibilidades" , etc.

Recentemente, no Jornal de Notícias, reparei num subtítulo de um artigo em que se podia ler algo como: "Comissão da ONU reconhece as virtualidades das salas de chuto". Fiquei deveras intrigado com esta frase. Quereria a ONU dizer que as salas de chuto não existem de facto? Depois de ler atentamente o texto tudo ficou claro. A palavra "virtualidades" era apenas a versão pseudo-erudita de "virtudes".

E assim vão as glórias do mundo.



quinta-feira, março 04, 2004

Quorum, o Forum Português de Bioinformática e Biologia Computacional

quarta-feira, março 03, 2004

Darwin vs Mendel



Recentemente testemunhei alguém colocar a questão de quem terá sido mais importante para a biologia: Darwin ou Mendel.

A resposta, dada por quem enunciou a pergunta e a título de visão pessoal, foi Mendel, arguindo que Darwin teria feito trabalho de filósofo, propondo uma mera explicação para a panóplia de esquemas de vida presentes na natureza, e que Mendel teria feito efectivamente trabalho cientifico ao levar a cabo experiências que o permitiram explicar o mecanismo de transmissão de características hereditárias. Foi acrescentado ainda que a teoria de evolução não teria sido provada e que consistia simplesmente na melhor explicação de que dispomos para os dados que obtemos a partir do registo fóssil.

Antes de dar a minha resposta preferida à questão colocada, devo dizer apenas que o que me levou a escrever sobre este assunto não foi a pergunta em si, que julgo irrelevante, mas sim o raciocínio que foi aposto à resposta oferecida. Sabemos que, historicamente, o Darwinismo e Mendelismo foram inimigos por parecerem visões inconciliáveis do mundo vivo. Como poderia haver evolução se as características dos organismos consistiam apenas em combinações de caracteres transmitidos da forma descrita por Mendel? Sabemos hoje que estas visões, longe de serem inconciliáveis, são de complementariedade essencial. Uma das insuficiências da Teoria da Origem das Espécies era precisamente a teorização que era feita acerca da forma como as características eram herdadas, que no estado em que foi oferecida por Darwin levantava várias questões teóricas insuperáveis. A discretização dessas característcas, retirada do trabalho de Mendel, permitiu o aparecimento da Genética e da Biologia Evolutiva modernas.

Foi dito que Darwin fez trabalho de filósofo. Ora, todos os grandes génios o fazem. Era necessário romper com sécuios de creacionismo e ser mais audaz do que outras teorias de evolução propostas na época. Poder-se-ia dizer que também Newton fez trabalho de filósofo quando quis unificar as forças que presidiam aos mundos celeste e terrestre.

Foi dito que a teoria da evolução não foi provada, sendo apenas a melhor explicação que temos para as observações do registo fóssil, etc. Mas isso é algo que a teoria da evolução tem em comum com todas as teorias científicas. As provas são entes do domínio da Matemática. Em Ciência temos apenas uma colecção de "melhores explicações para as observações".

Foi dito que Mendel fez verdadeiro trabalho científico. Sem diminuir a paciência, dedicação e sistematismo que Mendel teve de invocar para prosseguir o seu trabalho é, neste momento, relevante referir que, ao deparar com observações contrárias ao modelo que já tinha delineado, Mendel decidiu ignorar os resultados de difícil explicação. Comportamento esse dificilmente conciliável com uma conduta verdadeiramente científica.

Posto isto, a minha resposta é, sem hesitação, Darwin. Porque sem Darwin, a Biologia não passa de uma enorme quantidade de factos curiosos.


sexta-feira, janeiro 23, 2004

Apologia da Greve



Eu tenho uma enorme simpatia pelas greves dos funcionários públicos.

Fazem precisamente o mesmo que nos dias normais de trabalho, mas com duas grandes vantagens: não temos de lhes pagar e o trânsito anda muito mais fluído.

Bem hajam!

sexta-feira, janeiro 02, 2004



Chegou o ano MMIV. Chegou sorrateiro. Vamos ver o que traz.

terça-feira, dezembro 30, 2003




To celebrate a birthday on Monday would be a tragedy (Tuesday is much
better), but in this time of year weeks are not what we are used to anyway.
Most people are on holidays and have gone abroad or simply somewhere else,
so I am accustomed to not celebrating my birthday with too many people.

Today is just business as usual to me. Maybe I'll gather some
friends on Saturday, after the new years' celebration for I hate
co-celebrations. I already have some trouble trying not to be obfuscated by
he-who-claims-to-be-the-son-of-God's birthday let alone the closer birth of
the new year.

Celebrating a quarter of a century does put things in perspective.

Alexander, the Great was king by his 18th birthday and by the age of 21 he
was ruler of the world.

Either things have become slower to obtain or I'm just overdue.



-- assorted writings


segunda-feira, dezembro 29, 2003




Linus: I guess it's wrong always to be worrying about tomorrow. Maybe we should think only about today.

Charlie Brown: No, that's giving up. I'm still hoping that yesterday will get better.

quarta-feira, dezembro 10, 2003

Lei e Ordem



Este fim-de-semana, eu e um grupo de amigos, fomos agredidos por três indivíduos no Bairro Alto.

As perguntas que qualquer interlocutor sente necessidade de fazer após esta informação são, tipicamente: como é que isso aconteceu? (tentando perceber que tipo de eventos terão desencadeado a agressão) e estão todos bem? (como puro ritual social de contrafacção de interesse, muito no estilo do "Como está?" da Vodafone). Vou responder a estas e outras perguntas.

Os indivíduos não foram provocados. Não existe uma explicação razoável para a manifestação violenta. Tudo começou quando um dos perpetradores entornou cerveja sobre o grupo o que, naturalmente, causou reacções de espanto e alguma indignação, mas em momento nenhum houve agressividade, limitando-se a reacção verbal a um "Isso é um bocado chato!". A isto seguiu-se uma libertação incompreensível de violência que resultou em alguns traumatismos faciais e torácicos e provavelmente um traumatismo craneano ligeiro, provocado com uma pedra da calçada violentamente levada contra a cabeça de um dos lesados.

A polícia foi chamada ao local e 2 dos 3 indivíduos foram detidos e identificados.

Não vale a pena descrever o que se passou na esquadra, especialmente quando passado algumas horas os indivíduos foram libertados e tentaram voltar a entrar na esquadra para reincidir nas agressões. Tentativa essa repelida pelos 3 agentes presentes. Nem vale a pena referir que os autos de denúncia dos lesados e testemunhas demoraram mais de 7 horas a serem redigidos. Queria concentrar-me na discussão do que fazer após este incidente.

O crime de agressões físicas é semi-público, e cabe agora ao ministério público decidir se há matéria de facto e interesse em levar o caso a tribunal.

Que deve o Estado e os agentes judiciais, interessados, em última analise, na persecução da justiça, fazer?

A impunidade não serve a Justiça e encoraja a repetição deste tipo de incidentes. Se não houverem represálias, não é possível que o sistema de justiça assuma a sua função dissuasora. Por outro lado, a aplicação de uma pena de prisão tem efeitos criminógenos inegáveis, por muito que seja o carácter reeducativo da pena.

Eu, como lesado, não estou em condições para me pronunciar sobre o destino que se deveria dar a este caso. E mesmo que não fosse, penso que teria muita dificuldade em encontrar a pena justa e socialmente desejável.





terça-feira, outubro 21, 2003

Greve



O problema de escrever sobre assuntos da actualidade é que são falados por todos e torna-se difícil retirar algum tipo de sentido da avalanche de opiniões e contra-opiniões que são veiculadas. Não é por acaso que todas as boas reflexões sobre as coisas são feitas com o distanciamento necessário. E é também por isso que se legisla antes do facto, para o futuro.

Apesar disso, atrevo-me a dizer o seguinte.

Decidiram alguns dirigentes do associativismo estudantil que se cumpriria hoje uma "greve" nacional no Ensino Superior. Iniciativa que colheu rapidamente junto dos outros estudantes que diligentemente fizeram o que, de resto, fazem demasiado amiúde durante o ano lectivo, mas agora numa ocasião legitimada pela luta contra o Governo.

As razões apontadas para justificar esta jornada de luta têm a ver com a nova lei do financiamento do Ensino Superior que, entre outras medidas, exige a fixação de propinas entre uma baliza de valores consideravelmente superiores aos anteriormente praticados.

Algo vai mal no Ensino Superior. Algo sempre foi mal no Ensino Superior.

Mas esta posição dos estudantes está viciada por uma série de erros de análise, algum egoí­smo e muita irresponsabilidade.

Em primeiro lugar, acha-se que o Ensino Superior é algo que deve ser dado aos cidadãos pelo Estado. Um direito sagrado que deve ser disponibilizado gratuitamente, para que caminhemos rapidamente para uma "sociedade da informação e do conhecimento".

Ora, se a educação superior é um bem público, na medida em que há vantagens inegáveis em dispôr de mão-de-obra qualificada para o crescimento económico e evolução do ní­vel de vida das populações, também é verdade que o primeiro e imediato beneficiário da educação superior é o estudante. Assim, a frequência de um curso universitário ou politécnico deve ser, em primeiro lugar, visto como um investimento do estudante nele próprio. É nestes moldes que deve ser vista a relação do estudante com a Universidade.

O interesse público do Ensino Superior deve manifestar-se nos investimentos feitos pelo Estado nas Universidades, não nos estudantes. Mas investimento não é o mesmo que despesas operacionais. As propinas deveriam, efectivamente, pagar os custos operacionais do ensino.

Se nem todos os estudantes podem suportar, em condições de igualdade, os encargos relacionados com a frequência do ensino superior, deve o Estado, através dos mecanismos de acção social, fazer com que a comparticipação de cada estudante seja ajustada em função dos recursos de que este dispõe. Esta noção de solidariedade não é gratuita, simplesmente nós e o Estado não nos podemos dar ao luxo de termos pessoas eventualmente brilhantes que deixem de frequentar as Universidades por causa de dificuldades económicas.

A situação em que anteriormente nos encontrávamos era verdadeiramente insustentável.

A educação superior tinha-se tornado no bem público mais subsidiado pelo Estado, em detrimento de todos os outros, criando situações de manifesta injustiça. Portugal não é um país rico e os recursos nunca são ilimitados. Era imperativo que quem pudesse pagar, pagasse efectivamente. Para permitir até que os estudantes mais carenciados possam usufruir de mais acção social.

Resta saber, efectivamente, que outras medidas serão tomadas pelo Governo para reificar esta visão. Esta lei do financiamento não veio resolver todos os problemas.

Em segundo lugar, muita gente acha que mais graduados é um bem em si mesmo e rapidamente se vêem estatísticas comparando a percentagem de graduados em Portugal e noutros países.

Isto é uma enorme falácia. O que faz uma economia debilitada, sub-desenvolvida e muitas vezes arcaica com uma avalanche de especialistas? Não faz absolutamente nada.

O resultado disto é o engrossamento das listas de desemprego para a mão-de-obra especializada e a fuga para o estrangeiro (designadamente, Estados Unidos) dos melhores cérebros que saem das nossas Universidades, cuja formação tem sido, na prática, totalmente financiada pelo Estado Português.

Este panorama só vem dramatizar a situação. Estar a dar acesso gratuito à formação superior a todos os alunos, independentemente dos seus recursos financeiros, numa estratégia de embelezar as estatísticas tem como resultado uma catástrofe económica.

É necessário investir na economia, em laboratórios e no emprego científico.

Esta revolta dos estudantes teria todo o sentido se reclamasse uma modernização da economia, se exigisse mais rigor nas Universidades, se exigisse uma eficaz acção social.

No entanto, o objectivo desta luta é o status quo. O que não deixa de ser muito curioso para uma classe a que muita gente atribui a responsabilidade de ser o motor da mudança.

segunda-feira, outubro 20, 2003

Assuntos Aleatórios



Fiquei uns dias sem escrever. Sem cumprir este ritual de vir aqui deixar mais uma oferenda de logorreia à blogosfera. Fi-lo por boas razões. Estive a reflectir.

Há certos acontecimentos nas nossas vidas que nos obrigam a parar, re-avaliar, planear e prosseguir. Nessas alturas, tudo o que se passa, passa-se cá dentro.

Mas não estive desatento durante todo este tempo, porque reflectir não é o mesmo que parar de viver, é apenas uma altura propícia para re-arranjar as ideias.

Em primeiro lugar, toda a gente parece um pouco desiludida com o facto de eu ter decidido iniciar um blog: "Agora também já tens disso?", "Tens um quê?..", "Quem tem blogs é só gente que não tem outro sí­tio onde fazer masturbações intelectuais!", "Mas porque é que as pessoas hão-de querer saber da tua vida?" "Eu nunca haveria de expor a minha vida na internet...".

No entanto, não fiz nada de tão estupidamente excêntrico. Blogs, com outros nomes e outros suportes, existem há *muito* tempo. Não são muito diferentes de um diário ou de um caderno com pensamentos ou anotações. Mas dirão: ah! mas um diário é uma coisa pessoal, não é para andar para aí­ a mostrar às pessoas. Bem, talvez os diários dos adolescentes contenham informação demasiado sensível para ser divulgada amplamente, mas não acredito que alguém escreva um diário sem um desejo secreto de que alguém um dia o leia. Caso contrário, seria um exercício verdadeiramente inútil.

Um blog cumpre, portanto, o objectivo dos diários, por excelência.

Havia um outro tema sobre o qual considerei escrever. Era sobre "males de amor". Mas temo que já se tenha escrito demasiado sobre o assunto. Quase tudo o que se escreve sobre afectos diz respeito a experiências muito individuais, porventura irrepetí­veis, e que pouco pode aproveitar aos outros, excepto àqueles que almejam viver os amores e desamores dos outros, em vez dos seus. Por isso, não vou dizer uma única palavra acerca do assunto e relego a abordagem do tema para uma altura em que seja capaz de fazer uma análise e sí­ntese desinteressada, desapaixonada e equilibrada do tema, para que possa servir a tantos quanto possí­vel.

Queria também dizer algo acerca do último livro de Jorge Dias de Deus, "Da Crí­tica da Ciência à Negação da Ciência". E só consigo dizer que estou desiludido. É um livro que fala de tudo e conclui muito pouco. Escrito num espírito de "Vamos ser todos amigos", não toma partido no que opõe Ciência e Pós-Modernismo. O livro pretende fazer uma síntese prematura de uma guerra antiga que há-de continuar por ainda muito tempo. Ao tentar colocar-se na virtuosa posição equidistante não é mais do que perfeitamente insosso. Não serve nem uns, nem outros. É uma verdadeira logorreia em formato de livro. Ao menos este blog só ocupa bytes :)

E ficamos assim por hoje, até depois.

quinta-feira, outubro 09, 2003

Porque é que pessoas inteligentes acreditam em coisas estranhas?



Não sou o primeiro a fazer esta pergunta e nunca obtive uma resposta satisfatória.

Alguns dizem que as pessoas inteligentes têm mais instrumentos para defender aquilo em que acreditam, por muito estranho que seja.

Daqui resulta que a maioria daquilo que dizemos ou pensamos são apenas racionalizações, exercícios intelectuais para que continuemos a crer nos mesmo absurdos de sempre. São formas de encontrar um justificação intelectual para uma qualquer necessidade banal.

A pergunta passa, então, a ser: Que necessidades estão na base das justificações que encontramos para as nossa crenças irracionais?

quarta-feira, outubro 08, 2003

Igualdade



Numa interacção recente com a Provedoria de Justiça levantei, entre outras, a questão de a obrigatoriedade de prestação de serviço efectivo normal (vulgo Serviço Militar Obrigatório) extensível apenas a cidadãos do sexo masculino ser ou não conciliável com o princípio da igualdade, designadamente, a igualdade entre os sexos.

Entendeu o senhor Provedor achar que sim, que essa prática em nada violava esse princípio, uma vez que dele resulta que a situações desiguais deve ser dado tratamento desigual, querendo com isto dizer que as mulheres, na sua generalidade, não estão em tão boas condições para servir na instituição castrense.

Que os indivíduos não são iguais parece evidente a toda a gente, e, portanto, não pode entender-se o principio da igualdade como um instrumento destinado a estabelecer uma igualdade absoluta. E para cumprir este desígnio de igualdade é imprescindível, como afirma o senhor Provedor, dar tratamento desigual à disparidade de situações.

Até aqui julgo que não será difícil todos concordarmos.

Agora, no meu entendimento, o verdadeiro alcance do Princípio da Igualdade é o de que o facto de um indivíduo pertencer a um dado grupo (social, sexual, linguístico, etc) não será usado como critério para adequar o tratamento que se lhe é dado. O princípio existe precisamente para evitar generalizações de pertença, não para estabelecer uma igualdade utópica, impossível e mesmo indesejável.

Não me custa acreditar que a generalidade das mulheres esteja menos apta a prestar serviço militar, o que me custa é que este julgamento seja aplicado em bloco a todas as mulheres em contraposição a todos os homens.

Dizer que se faz esta generalização por questões de economia de esforço é uma coisa, mas dar uma elasticidade tal à interpretação do Princípio da Igualdade para justificar essa discriminação acho inaceitável.


terça-feira, outubro 07, 2003

No início



No início era o verbo e pouco mais se sabe.

Este post inaugura uma aventura sem rota traçada no crescente mundo dos blogs.

Aqui escreve-se logorreia, i.e., palavras em bruto, não editadas. Uma espécie de catarse intelectual ao fim de cada dia.

Vou partilhar convosco ideias, frustações, alegrias e opiniões.

Até breve.