quinta-feira, abril 19, 2007

Vida humana






Qual deles está vivo?


O Sr João Miranda decidiu estabelecer aqui arbitrariamente que um óvulo fecundado constitui uma vida humana e, por isso, merecedor de protecção constitucional uma vez que esta estabelece que a vida humana é inviolável.

Para saber se uma lei que permite a interrupção da gravidez é constitucional ou não importa saber a intenção do legislador constitucional sobre esta matéria.

Admitindo que o momento da concepção marca o início de uma vida humana, no sentido constitucional então não se entende o facto de existir na data da aprovação da constituição um crime de aborto distinto do crime de homícidio, nem um código civil que estabelece o nascimento como o momento em que se adquirem direitos de personalidade.

Mais, em praticamente todos os laboratórios de investigação do mundo existem culturas de células humanas designadas de Hela todas originárias de um tumor do mesmo indivíduo. As células são humanas e estão vivas proliferando por todo o mundo há mais de 50 anos e utilizadas diariamente em pesquisa médica. São também elas merecedoras desta protecção, uma vez que se trata de vida humana?

E as células estaminais? E as várias células totipotentes? E as células somáticas que poderão um dia re-adquirir a indiferenciação usando técnicas de clonagem, constituindo, então, vidas humanas em potencial?

Será que o legislador constitucional entendia que uma massa de células em divisão há menos de 10 semanas, praticamente indistinguíveis dos embriões de todos os outros vertebrados a quem negamos toda e qualquer protecção constitucional constitui uma vida humana e, como tal, inviolável?

Não creio.

domingo, abril 01, 2007

sábado, março 31, 2007

200 anos antes de Martin Luther King Jr


De l'esclavage des nègres

Si j'avais à soutenir le droit que nous avons eu de rendre les nègres esclaves, voici ce que je dirais:

Les peuples d'Europe ayant exterminé ceux de l'Amérique, ils ont dû mettre en esclavage ceux de l'Afrique, pour s'en servir à défricher tant de terres.

Le sucre serait trop cher, si l'on ne faisait travailler la plante qui le produit par des esclaves.

Ceux dont il s'agit sont noirs depuis les pieds jusqu'à la tête ; et ils ont le nez si écrasé qu'il est presque impossible de les plaindre.

On ne peut se mettre dans l'esprit que Dieu, qui est un être très sage, ait mis une âme, surtout bonne, dans un corps tout noir.

Il est si naturel de penser que c'est la couleur qui constitue l'essence de l'humanité, que les peuples d'Asie, qui font les eunuques, privent toujours les noirs du rapport qu'ils ont avec nous d'une façon plus marquée.

On peut juger de la couleur de la peau par celle des cheveux, qui, chez les Egyptiens, les meilleurs philosophes du monde, étaient d'une si grande conséquence, qu'ils faisaient mourir tous les hommes roux qui leur tombaient entre les mains.

Une preuve que les nègres n'ont pas le sens commun, c'est qu'ils font plus de cas d'un collier de verre que de l'or, qui, chez les nations policées, est d'une si grande conséquence.

Il est impossible que nous supposions que ces gens-là soient des hommes ; parce que, si nous les supposions des hommes, on commencerait à croire que nous ne sommes pas nous-mêmes chrétiens.

De petits esprits exagèrent trop l'injustice que l'on fait aux Africains. Car, si elle était telle qu'ils le disent, ne serait-il pas venu dans la tête des princes d'Europe, qui font entre eux tant de conventions inutiles, d'en faire une générale en faveur de la miséricorde et de la pitié ?

in De l'Esprit des Lois, Livre XV, chapitre 6. Montesquieu, 1748.


Para quem não for evidente, isto é um texto irónico que pretende ridicularizar as crenças comuns da época, pondo-as em evidência e a nu. Depois desta introdução, Montesquieu analisa as verdadeiras causas da escravatura. Aconselho vivamente a leitura.

TRADUÇÃO

Tivesse eu de defender o direito que tivemos de escravizar os negros, eis o que eu diria:

Tendo os povos da Europa exterminado os da América, tiveram de escravizar os de África para deles se servirem para desbravar tantas e numerosas terras.

O açúcar seria demasiado caro se a planta que o produz fosse cultivada por outros que não escravos.

Estas criaturas são negras da cabeça aos pés; e têm o nariz de tal modo achatado que é quase impossível sentir pena deles.

Não é possível crer que Deus, que é um ser sábio, tenha colocado uma alma, sobretudo boa, num corpo totalmente negro.

É tão natural pensar que é a cor que constitui a essência da humanidade, que os povos da Ásia, que fazem eunucos, negam aos negros qualquer semelhança connosco de uma forma ainda mais evidente.

A cor de pele pode ser avaliada pela cor dos cabelos que, entre os Egípcios, os melhores filósofos do mundo, era de tal importância que aniquilavam todos os homens ruivos que lhes caíssem nas mãos.

Uma prova de que os negros não possuem senso comum é que preferem um colar de vidro a um de ouro, que é tão apreciado entre as nações civilizadas.

Não é possível supormos que estas criaturas sejam homens porque se os supuséssemos homens começaríamos a crer que nós próprios não somos cristãos.

As mentes fracas exageram demasiado as injustiças feitas para com os africanos. Porque se fosse como dizem não seria de esperar que os Príncipes da Europa, que fazem entre eles tantas convenções inúteis, não tivessem já feito uma geral em favor da misericórdia e da compaixão?

Da Democracia




Está em curso uma reforma do funcionamento da Assembleia da República. Uma proposta apresentada pelo grupo parlamentar do Partido Socialista apresenta várias recomendações interessantes para melhorar o funcionamento e a imagem do Parlamento, mas algumas questões fundamentais ficam por abordar por saírem fora do âmbito da referida reforma,

Embora a Democracia me pareça a única forma aceitável de constranger a liberdade de cidadãos livres às necessidades do bem geral existem quatro pontos fulcrais que me parecem essenciais para uma democracia funcional:

  • Responsabilização dos deputados: A arquitectura constitucional portuguesa garante um quase absoluto monopólio partidário nos trabalhos parlamentares em que a responsabilidade e o poder de decisão se diluem nas estruturas dos partidos. A noção de disciplina partidária oblitera quase totalmente a necessidade de cada partido ter mais do que um representante no parlamento. Por outro lado, os deputados, apesar de serem eleitos em círculos eleitorais de carácter distrital, representam a nação, o que significa que cada cidadão não tem um representante que deva responsabilizar, mas sim 230, e que não elegeu nenhum em particular. A solução actual nem garante uma total proporcionalidade dos votos (isso só seria obtido com um único círculo nacional), nem um sistema de representação personalizado (que só se obteria com um representante específico para uma dada circunscrição eleitoral). Isto para não falar do princípio um cidadão, um voto que possibilita, em teoria, a eleição de representantes que não traduzem verdadeiramente a expressão de vontade dos cidadãos e que exige sistematicamente o recurso ao voto útil.
  • Vacuidade do debate parlamentar: Todo o debate que importa ocorre ou no seio dos partidos ou nos meios de comunicação social. O debate parlamentar reduz-se quase completamente a uma série de declarações políticas que pouco o nada fazem para mudar a posição dos parlamentares que, no fim de contas, acabam por reiterar a posição do seu partido, eventualmente com algumas concessões que são mais fruto das pressões dos media e dos grupos de interesse do que da bondade dos argumentos dos deputados dos outros partidos.
  • Decisão política versus decisão técnica: Os deputados não são nem têm de ser especialistas nos diversos temas sectorias em que são chamados a decidir. Cabe ao parlamento e, em geral, aos políticos definir estratégias e objectivos políticos e aos técnicos encontrar as soluções mais eficientes para a estratégia e objectivos comissionados. Vários equívocos poderiam ser evitados na vida política portuguesa em que os líderes frequentamente aparecem como especialistas universais se se tivesse uma noção clara das fronteiras da decisão política. Um clara definição dessa fronteira seria também vantajosa para a qualidade da nossa democracia porque os cidadãos conseguem facilmente avaliar uma decisão política mas, por vezes, têm dificuldade em avaliar os méritos de uma decisão técnica. O estabelecimento desta fronteira é particularmente importante porque os pressupostos da decisão política e da decisão técnica são fundamentalmente diferentes. A decisão política consiste numa hierarquização mais ou menos arbitrária de prioridades e de valoração relativa de princípios. A decisão técnica consiste na utilização de métodos rigorosos (embora nunca infalíveis) para determinar a solução mais eficiente para um dado problema e, logo, é um processo intrinsecamente ademocrático (a verdade não é democrática!).
  • Rejeição da ditadura da maioria: Uma sociedade democrática é uma sociedade em que devem poder conviver cidadãos livres em que a sua liberdade só seja limitada pelos constrangimentos dos imperativos do interesse geral devidamente justificados e na medida estritamente necessária. Os órgãos de soberania devem abster-se de impôr visões morais ou mundividências particulares mas devem sim definir a liberdade de todos e maximizar o bem-estar da pluralidade dos cidadãos. Não é evidente como é que um órgão parlamentar (ou qualquer órgão democraticamente eleito) possa garantir que uma democracia não degenere numa ditadura da maioria sofrendo de incontinência legiferante. Devem existir instâncias que permitam fazer este controlo. Nalguns países, instâncias judiciais de cúpula assumiram este papel, em Portugal este controlo só existe muito indirectamente. Estamos reféns da boa-vontade e da qualidade dos nossos deputados. (sei que estão a pensar na magistratura do presidente da república, mas os poderes do presidente da república estão adaptados para garantir o statu quo e não para higienizar a proliferação legislativa já existente que limita inutilmente a liberdade dos cidadãos).

sexta-feira, março 30, 2007

Nós e a Europa

Ou serão os italianos e a Europa?

Afinal, os portugueses não são os únicos com complexos. E.. quem são os europeus já agora?

quarta-feira, março 28, 2007

Quem disse que a religião não era uma doença?







Note-se também o estranho espectáculo que resulta do facto de um jornalista se armar em antiséptico (e, com isso, levar a sério alguém que é indubitavelmente desequilibrado).

terça-feira, março 27, 2007

Energia atómica

Cor



Fazendo bibliografia ao estilo da UNITED COLORS OF BENETTON.

Diagnóstico



Algum botânico ou biólogo vegetal sabe dizer-me se as minhas flores estão mortas?

segunda-feira, março 26, 2007

Grandes Portugueses



Um programa ridículo com um desfecho patético.

quinta-feira, março 08, 2007

RNAzinhos

O que eu tenho estado a estudar ultimamente:



Quase tudo em biologia se pode explicar com esquemas deste género, e é fácil ficar-se com a impressão de que, interiorizando o esquema, se compreendeu todo o mecanismo.

Na realidade não é assim. Não só os esquemas são necessariamente simplificações daquilo que se sabe, mas também: não fazem, geralmente, distinção entre factos bem estabelecidos e especulações; omitem muitas vezes pormenores importantes para quem tem interesse em fazer um modelo formal do mecanismo; são ambíguos e, por vezes, certas ilustrações, devido a opções meramente estéticas, acabam por induzir o leitor em erro.

Mas ficam sempre muito bem em artigos e apresentações. :-)

segunda-feira, março 05, 2007

Salut Lyon



Je suis en France depuis janvier et je n'ai pas eu accès internet avant la semaine dernière. Sinon, je suis déjà bien installé et je pourrai bientôt reprendre les posts ici.

À toute..

terça-feira, outubro 17, 2006

Logopenia




Temo que o título deste blog induza os seus leitores (hipotéticos) num escandaloso equívoco. Ao invés de ser um exercício logorreico, tem sido sistematicamente um exemplo de logopenia crónica.

Este deserto de ideias, esta desídia literária é, em parte, justificada por algum excesso de trabalho a par de alguma indisponibilidade intelectual. Finda que está a silly season é importante que as intervenções que aqui ofereça a uma audiência imaginária versem sobre assuntos sérios. E assuntos sérios não é coisa fácil de tratar. A honestidade intelectual exige que um assunto sério seja tratado com a profundidade devida e com a adequada ponderação. Mas num mundo de sumários executivos, de sinopses e de take home messages não há espaço (tempo, melhor dizendo) para tratar estas graves matérias com avisada atenção.

Estamos, assim, nas nossas interacções hodiernas, condenados a vislumbres, a explorações superficiais da miríade de temas que competem pela nossa atenção. A consequência imediata deste estado de coisas é que no nosso mundo de tempo escasso o mais importante é o não-dito, o deduzido e o reconstruído. E por isso o leitor tem agora responsabilidades acrescidas. Não havendo oportunidade para dizer tudo, terá o leitor de explorar as ramificações da mensagem meramente delineada. Por tudo isto, abundam neste mundo os equívocos e os trejeitos pós-modernos. Por tudo isto se ouve no Telejornal que "o futebolista vai ser operado ao calcanhar de Aquiles", ou um personagem de Telenovela balbuceando "Estás tramado, descobri o teu tendão de Aquiles!". Por tudo isto, vivemos num estado de ignorância pasmada.

quarta-feira, julho 05, 2006



Quae moerebat et dolebat,
Et tremebat cum videbat
Nati poenas incliti

domingo, junho 11, 2006




Una voce poco fa
qui nel cor mi risuono';
il mio cor ferito e' gia',
e Lindor fu che il piago'.
Si', Lindoro mio sara';
lo giurai, la vincero'.
Il tutor ricusera',
io l'ingegno aguzzero'.
Alla fin s'acchetera'
e contenta io restero'
Si', Lindoro mio sara';
lo giurai, la vincero'.
Io sono docile, son rispettosa,
sono obbediente, dolce, amorosa;
mi lascio reggere, mi fo guidar.
Ma se mi toccano dov'e' il mio debole
saro' una vipera e cento trappole
prima di cedere faro' giocar.


in Il barbiere di Siviglia, G. Rossini (1816)



Deh, vieni alla finestra, o mio tesoro,
Deh, vieni a consolar il pianto mio.
Se neghi a me di dar qualche ristoro,
Davanti agli occhi tuoi morir vogl'io!
Tu ch'hai la bocca dolce più del miele,
Tu che il zucchero porti in mezzo al core!
Non esser, gioia mia, con me crudele!
Lasciati almen veder, mio bell'amore!


in Don Giovanni o l'empio punito, W. A. Mozart (1787)

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Brokeback Mountain





O último filme de Ang Lee tem vindo a chamar as atenções nos últimos tempos. E não era para menos: há meses que só se ouvia falar de um filme de "cowboys gays". Todo este hype causa, geralmente, alguma desconfiança.

O filme revelou-se, no entanto, uma obra-prima de extrema sensibilidade. O epíteto de filme sobre "cowboys gays" é injusto e redutor. É antes uma históra sobre um relação complexa entre dois homens que nutrem um pelo outro sentimentos proibidos tanto pela moralidade da época como pelos seus próprios preconceitos. Não me alongarei muito sobre o filme e revelarei muito pouco acerca da história porque penso que quem ainda não viu deve deixar-se envolver pelo filme sem ser guiado por nenhuma interpretação que eu ofereça aqui. Se o leitor não viu ainda o filme o melhor é mesmo nem sequer ler este post.

Ennis del Mar é um homem simples e de poucas palavras que é interpretado brilhantemente por Heath Ledger. No Verão de 1963 aceita um trabalho de pastoreio na montanha Brokeback com Jack Twist (Jake Gyllenhaal). Aí surge inevitável mas inesperadamente uma paixão entre os dois homens que ambos não compreendem totalmente.

O regresso repentino da montanha que interrompe a construção da relação entre os dois é um prelúdio para o que serão as décadas seguintes e desencadeia aquilo que é o primeiro sinal da batalha interior de Ennis, perseguido por uma visão traumática de infância em que um homem (também cowboy) terá sido linchado por viver num rancho com outro.

Ambos acabam por casar e ter filhos e reencontram-se apenas volvidos 4 anos. A partir daí segue-se uma vida monótona e dolorosa pontuada apenas por algumas idas à montanha que se transforma numa espécie de santuário onde podem fugazmente viver a vida que de outro modo lhes era negada (ou que se negavam).

O filme segue o ponto de vista de Ennis e, por isso, é também lacónico e profundamente sensível. As deixas são escassas porque são os silêncios que carregam o subtexto do filme.

Não é um filme intelectual com grandes lucubrações sobre a condição dos dois homens, é antes um testemunho de uma história trágica. A escassez dos diálogos obriga-nos a vestir a pele dos personagens e a partilhar a sua tragédia.

As relações dos dois homens com as respectivas mulheres, elas também vítimas, são honestas mas muito incompletas. O filme evita os rótulos que, de outro modo, seriam inadequados à época e ao contexto em que a história se passa. Os dois homens não compreendem totalmente o que sentem e, por isso, não poderiam nunca ter comportamentos nem atitudes lineares e que hodiernamente são identificadas como gay. Não existem propriamente maus da fita, o filme retrata sobretudo o conflito dos personagens consigo mesmos e com os outros (reais ou imaginados). Não é um filme panfletário e talvez por isso tenha frustrado a comunidade gay mais militante. É um filme que consegue contar uma história de amor sem ser um melodrama e também sem ser asséptico. O facto de isto ter sido possível com um tema homossexual é provavelmente o melhor serviço que Ang Lee poderia fazer ao movimento gay.

A banda sonora carregada de pathos serve genialmente as poucas cenas em que é utilizada. As muito discutidas cenas eróticas (homo e hetero) são feitas com muito bom gosto e são essenciais para transmitir as evidentes diferenças, por um lado, entre o carácter da relação de Ennis com Jack e com a sua mulher e, por outro, a confusão de violência e carinho com que Ennis encara Jack.

As cenas finais são carregadas de um simbolismo e de uma força emotiva arrebatadoras. Uma lição de vida sem ser moralista, eis o que Ang Lee conseguiu. Neste filme está encarnada uma reflexão dolorosamente emotiva sobre a coragem para ser feliz.

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Andam todos distraídos



Realizaram-se hoje eleições presidenciais.

Nos últimos dias tenho ouvido várias pessoas vaticinarem o fim da liberdade em Portugal. Não estando em curso nenhuma tentativa de golpe de Estado não entendo, sinceramente, ao que estas pessoas se vêm referindo.

Isto é tanto mais estranho quanto o facto de vários militantes do Partido Socialista, próximos da candidatura de Manuel Alegre, serem alguns dos mais sonoros arautos desta tese do fim da Democracia em Portugal.

Não só hoje se concluiu uma eleição democrática dentro da mais pacata das normalidades como em São Bento persiste uma maioria socialista também eleita democraticamente.

Advogar que estamos perante o fim de todas as liberdades só porque ganhou um candidato que não se apoia é uma manifestação de uma profunda falta de espírito democrático. Se não se acredita num sistema democrático então que se assuma, de uma vez por todas, que se prefere um outro modo de eleição. Quem sabe.. voto censitário? sistema de partido único?

Por outro lado, parece ter escapado a estas pessoas o facto elementar de que quem conduz a política em Portugal é o Governo. Não cabe dentro das competências do Presidente da República definir políticas e muito menos restringir liberdades.

Poderíamos discutir o mérito do Presidente eleito no âmbito do exercício dos poderes presidenciais. Mas neste momento, se somos verdadeiros democratas, temos de aceitar a decisão do eleitorado ou então propor um sistema político diverso em que os órgãos de soberania não sejam escolhidos escutando o Povo que, a ouvir certas pessoas, parece tão pouco apto a tomar este tipo de decisões. Não se pode é reclamar ser o bastião das liberdades e simultaneamente escamotear uma das liberdades essenciais - a liberdade de voto.

Eu não estou entusiasmado com o resultado desta eleição e não estaria qualquer que fosse o resultado. Assim como não sou um especial entusiasta do sistema democrático, muitas vezes designado como o menos mau dos sistemas políticos. Simplesmente acho que a chantagem demagógica não deve ser uma arma política e não compreendo como é possível conviver com tal dissonância cognitiva.

Em todo o caso, a participação democrática não se esgota com o exercício do direito de voto. Um mandato eleitoral não é um cheque em branco e, apesar de não haver nenhum mecanismo constitucional para a destituição de um Presidente da República, a opinião pública e o direito de manifestação são formas eficazes de participação na vida cívica. (Não esquencedo as formas não constitucionais de destituição, que me abstenho de mencionar)

A falácia em todo este discurso está patente num detalhe subtil e reside no facto de haver uma linha ténue separando uma Democracia de uma Ditadura da maioria. Num sistema político em que virtualmente todo o poder resulta da expressão de uma maioria há poucas oportunidades para instituir um espaço de liberdade para todos. Estamos permanentemente reféns de políticos que saibam cativar multidões para depois governar de modo a garantir a felicidade de todos, mesmo que com a oposição pontual da maior parte. Nas raras ocasiões em que uma pessoa concentra estas duas capacidades a Democracia justifica-se e emerge como o mais nobre dos sistemas.

A frustração daqueles que hoje dizem que a Liberdade morreu em Portugal é, enfim, uma frustração em relação às fragilidades do sistema democrático. A solução, que é já sabida de muitos é manipular educar o Povo, i.e., dar-lhe instrumentos para que possa, de forma informada e consciente, tomar as melhores decisões para todos e cada um dos cidadãos.

domingo, dezembro 25, 2005

Um aniversário importante



Hoje é um dia especial. Há 362 anos nasceu Isaac Newton. Era tão pequeno quando nasceu que a mãe temeu que não sobrevivesse.

Revolucionou a ciência, unificando o céu e a terra com a sua mecânica. Resolveu inúmeros problemas abertos em Física e Matemática. É talvez o físico mais conhecido de sempre.

Tanto quanto se sabe morreu virgem, mas deixou ao mundo um legado preciosíssimo.

sábado, dezembro 24, 2005

O Natal

Hoje cumpri um ritual que faz, cada vez mais, parte do ceremonial desta quadra do ano. Enviei a todos os meus amigos e colegas uma mensagem de Natal.

Singela nas palavras, a mensagem desejava a todos um Feliz Natal, qualquer que fosse o significado que cada um lhe atribuísse.

Muitos mostraram espanto por eu admitir que o Natal se tratava de uma noção polissémica. Com efeito, recebi algumas respostas que retorquiam que Natal tinha um único significado: o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo (Iesum Christum Dominum nostrum para os leitores do Vaticano).

No entanto, é já sobejamente sabido que este senhor Jesus (do Hebraico Deus salva) Cristo (do Grego Messias) nasceu efectivamente em data incerta e que este período do ano foi convencionado como data comemorativa por razões meramente logísticas (vide O Natal dos Deuses Cristãos).

De resto, significados alternativos são bem conhecidos nos círculos politicamente correctos dos Estados Unidos que insistem em desejar Happy Holidays em vez do tradicional Merry Christmas por nesta altura também se celebrar o Hannukah e o Kwanza.

Para os cínicos, o Natal representa somente um excelente negócio para os comerciantes (facto incontestável) e para outros é simplesmente a altura mais deprimente do ano.

Para mim é uma excelente desculpa para depurar a agenda telefónica.

domingo, novembro 13, 2005

Moi, MSc



Concluí as provas de mestrado no dia 11 de Novembro. Incidentalmente, o fim da minha vida de licenciado não foi a única mudança que se operou na minha vida nos tempos recentes.

Não vou dignificar essas mudanças com uma menção neste blog. Vou apenas dizer que há dois tipos de pessoas no mundo: aquelas que honram a lealdade e que pensam nas ramificações dos seus comportamentos a um horizonte mais longínquo do que os próximos 5 dias e aquelas que, pelo contrário, justificam o seu comportamento por uma atitude hedonista pseudo-racionalista.

Dirão alguns que o ser humano é mesmo assim. Talhado para servir os seus interesses imediatos irá perseguir a sua "felicidade" independentemente do impacto que isso tenha nos outros. Aqueles cujo cinismo já cristalizou uma atitude que vê as emoções humanas como uma terrível manifestação de fraqueza não terá dificuldade em aderir a esta tese. Outros, como eu, que ainda não renunciaram ao seu direito de sentir não deixam de ficar perplexos perante a crueldade da libido que obfusca mentes e que desencadeia um sem-número de racionalizações cujo propósito não é outro senão a tentativa de encontrar uma absolvição para a ditadura do corpo.

Acabei o mestrado e deixei para trás dois pilares que ninguém suspeitava serem ocos e ameaçarem ruir ao primeiro estremecimento.

Acabei o mestrado e sinto-me órfão.

Mas há tantas pessoas no mundo...

quarta-feira, julho 13, 2005

Até que a morte nos separe



O registo histórico mostra que desde sempre os seres humanos têm estabelecido binómios onde homem e mulher se unem numa relação privilegiada para proveito mútuo tendo em vista a criação de um seio familiar que possa suportar uma prole tão extensa quanto possível.

Mesmo em sociedades que sancionam a poligamia (que se traduz quase exclusivamente em poliginia) existe um binómio privilegiado.

Não é estranho, portanto, que as religiões tenham acomodado este facto incontornável na sua doutrina moral e no seu cerimonial.

As conquistas civilizacionais dos últimos séculos têm permitido, no entanto, a construção de um espaço de liberdade individual onde cada cidadão tem podido encontrar, cada vez mais, o seu próprio caminho para a felicidade e bem-estar.

Os Estados modernos têm, assim, enfrentado o desafio de garantir esta amplitude de direitos e simultaneamente garantir um sistema de valores coerente que permita identificar os tipos de comportamento compatíveis com a vida em sociedade.

Ao fazê-lo, o Estado moderno está efectivamente a chamar a si aquilo que fora até recentemente o papel das religiões organizadas. Não é estranho, portanto, verificar que as primeiras civilizações eram efectivamente teocráticas. Este novo papel do Estado, que adquire laicidade à medida que confere aos seus cidadãos amplas liberdades de culto e de consciência, vai necessariamente apropriar-se do acervo ético e moral das religiões predominantes porque estas manifestam aquelas que foram até então as regras de conduta aceites mais ou menos zelosamente por todos. Daí em diante, cada ditame moral, entretanto transformado em norma legal, deve ser submetido a um escrutínio cuidado de modo a aferir se subsiste como mera prescripção gratuita ou herança cultural dogmática ou se, pelo contrário, pretende efectivamente acautelar legítimos direitos e aspirações sociais.

Dito isto, cabe agora analisar aquilo que subsiste na nossa ordem jurídica como noção de casamento.

A união de duas pessoas, antes de todas as suas conotações religiosas ou legais, é algo eminentemente humano e anterior ao Estado e a qualquer confissão religiosa.

Ao Estado cabe apenas enquadrar aquilo que são as aspirações de cada casal, designadamente no que diz respeito à vida em comum, à partilha em vida e à sucessão na morte.

Por que razão não deverá o Estado, então, conceder os mesmos direitos às uniões entre cidadãos, mesmo que estas não encontrem paralelo naquilo que é ditado pelas religiões predominantes? Estamos a falar, claro está, do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Por que razão pessoas que nascem e que manifestam desde cedo um apelo inexorável por pessoas do mesmo sexo não deverão poder gozar do mesmo tipo de sanção legal ao seu compromisso mútuo? Esta alteração da ordem legal não conseguiria mais do que ampliar os direitos e as oportunidades de busca de felicidade destes cidadãos cuja dignidade social e igualdade perante a lei é garantida virtualmente por todas as declarações de direitos modernas. Uma resistência a esta mudança só pode ser entendida no contexto de uma deficiente separação entre as Igrejas e o Estado.

Para aqueles cuja inspiração moral se confunde com uma noção de "naturalidade" pode ainda acrescentar-se que não são raros os exemplos de animais que estabelecem autênticos casais homossexuais em tudo semelhantes aos seus congéneres heterossexuais exceptuando, claro está, a capacidade reprodutiva. No entanto, experiências conduzidas por zoólogos em pinguins demonstram que quando casais homossexuais são dados a criar crias oriundas de parelhas heterossexuais tratam de cuidar delas com um empenho em tudo semelhante ao dos seus progenitores.

Se fosse necessário acrescentar mais alguma coisa, poderia dizer-se que o fenómeno da homossexualidade não é algo inédito nas sociedades humanas e que encontra várias manifestações em todas as épocas e em todas as sociedades. Não se trata, portanto, de um produto da sociedade moderna. Mas, efectivamente, só as recentes conquistas civilizacionais estão em condições de permitir a estas pessoas um exercício pleno das suas cidadanias e dos seus afectos, sob protecção legal e indo ao encontro das suas legítimas aspirações.


Por que esperamos?

sexta-feira, junho 17, 2005

I hereby declare the silly season open.

sexta-feira, maio 13, 2005

Catullus



Ille mi par esse deo uidetur,
ille, si fas est, superare diuos,
qui sedens aduersus identidem te
spectat et audit
dulce ridentem, misero quod omnis
eripit sensus mihi: nam simul te,
Lesbia, aspexi, nihil est super mi
vocis in ore;
lingua sed torpet, tenuis sub artus
flamma demanat, sonitu suopte
tintinant aures, gemina et teguntur
lumina nocte.
otium, Catulle, tibi molestum est:
otio exsultas nimiumque gestis:
otium et reges prius et beatas
perdidit urbes.

quinta-feira, maio 12, 2005

Age of Consent



Recently, the Portuguese Constitutional Court stroke down article 175 of the Penal Code, which punished homosexual acts with adolescents between 16 and 18 years of age with imprisonment.

The Court, whose powers include judicial review of the constitutionality of laws, has deemed the article unconstitutional because it violates the principle of equality. This opinion is certainly not unrelated to the fact that the Constitution has been amended recently to include sexual orientation as a ground for non-discrimination.

This is surprising because Portugal does not have a tradition of legislative innovation through judicial decisions.

The age of consent is thus now the same regardless of the sex of the participants.

If this legislative reform had come from Parliament it would have shown that MPs have, at least, a notion of coherence, since they were the ones who revised the Constitution but pusillanismously failed to propagate the changes to the rest of the legal order. This way MPs have averted any sort of public scrutiny but have also shown an unwillingness to do what they were elected for.

terça-feira, maio 10, 2005

Europe Day



Yesterday we celebrated the Europe Day.


Est Europa nunc unita
et unita maneat;
una in diversitate
pacem mundi augeat.

Semper regant in Europa
fides et iustitia
et libertas populorum
in maiore patria.

Cives, floreat Europa,
opus magnum vocat vos.
Stellae signa sunt in caelo
aureae, quae iungant nos.


Proposal for an European Anthem
Music: "Freude, schöner Götterfunken", Beethoven

segunda-feira, maio 02, 2005

A language shift

For the sake of a reading audience I have decided that this blog will henceforth be written in the tongue of Shakespeare. I may decide to post in Portuguese occasionally everytime I wish to talk about a subject which chiefly concerns Portuguese-speakers.

Many were the events in the last few months that could have been the subject of many posts here. I have successfully averted the need to talk about the latest general election in Portugal or the election of the new pontiff. Which is good, because I sense that it could have led to the mustering of a bashing crowd.

Let us wait for more amiable times.

quinta-feira, janeiro 06, 2005

</christmas-season>

quinta-feira, dezembro 30, 2004

Nihil novi sub sole

Há 26 anos a respirar...

Há 24 anos a estudar...

Quantos mais a pensar?

domingo, dezembro 26, 2004

Mensagem de Natal

Hoje tive a oportunidade de ver o senhor Santana Lopes a enviar a sua mensagem de Natal aos Portugueses. Não vi ali um governante, mas sim um líder medíocre com um discurso demagógico em tom de pré-campanha.

Como é habitual não houve naquelas palavras o mínimo vislumbre de discurso de Estado. Aliás, não houve naquelas palavras o vislumbre de conteúdo algum.

O senhor Santana Lopes limitou-se a enunciar várias frases, todas começadas com a fórmula "Eu, como primeiro-ministro", não houvesse alguma alma distraída ou numa tentativa de se convencer a si mesmo que sim! ainda era o chefe de Governo! usando um tom monocórdico nauseante.

De resto, ouvimos várias mensagens comoventes para os pobrezinhos e coitadinhos deste País, a quem o senhor Santana Lopes pediu esperança renovada e confessou gostar de poder resolver tudo com um "golpe de mágica", como quem diz que, com ele, só um milagre os poderia tirar da miséria.

Penso que não estarei a exagerar se disser que este discurso era expectável de uma velhinha num jantar de beneficência mas não de um Primeiro-Ministro com responsabilidades governativas.



sexta-feira, dezembro 17, 2004

<christmas-season year=2004>

domingo, dezembro 12, 2004

No more...








Ad perpetuam rei memoriam

Abdico do vício, gradual e definitivamente.


quarta-feira, dezembro 08, 2004

Dicionário do Diabo

A palavra "charme" não se encontra nos dicionários portugueses. Uma vez que, pelo menos uma parte da população, tende a usar este termo com alguma frequência damos aqui o nosso contributo para a sua definição. Não somos, é certo, lexicógrafos, mas as nossas intenções são honestas.


charme s.m. palavra sem significado para os indivíduos do sexo masculino; para a população feminina designa uma abstracta qualidade dos homens de meia-idade que lhes garante um certo grau de atractividade. ter --: ter dinheiro, um bom carro ou um vistoso apartamento. (Do Lat. carmen)

sexta-feira, dezembro 03, 2004

No comments...

- correu -te bem o teste?
- sim, professora, obrigada.
- e qual era o texto para ser analisado?
- uma crónica da laurinda alves , professora.
in Torneiras de Freud

quarta-feira, dezembro 01, 2004

Um meta post

Para aquelas dezenas de almas que vêm parar a este blog em busca da definição de logorreia, aqui me desobrigo:



Logorreia

do Gr. lógos, discurso + rhoía, que corre

s. f., necessidade irresistível de falar que apresentam certos alienados;
verbosidade inútil e sem sentido.


A verdadeira rentrée



A dissolução da Assembleia da República e consequente queda do Governo de Santana Lopes marca o verdadeira fim da silly season de 2004.

terça-feira, novembro 30, 2004

E pronto...



O Conselho de Estado vai ser convocado. Ao que tudo indica, o Governo cairá e a Assembleia da República será dissolvida.

Santana Lopes acabou de dizer:

[...] O senhor Presidente acabou de me comunicar a decisão de iniciar os contactos institucionais com vista à dissolução do parlamento [...]
Como sempre respeito a decisão do senhor Presidente da República.
Não concordo, mas respeito. Não temo eleições antecipadas. Vamos tentar defender os interesses de Portugal [...]

Mulholland Dr.



Filipe Faria diz:

A industria onírica inicia a sua demanda pelo sentido pseudo lógico.
O objectivo da arte não é ter sentido aparente, é despertar algo dentro de cada um que a observa ... Se o senhor Lynch consegue isso com inúmeras mentes (não acredito que sejam todos “intelectuais”, ou "wanna be´s", ou "whatever"), tudo o resto são formulários de lógica que pouco interessam para a finalidade artística.

E eu digo:

É o paroxismo do incompreensível.

Uma coisa é comunicar sensações em bruto, sem um construto destinado à cognição. Outra é a masturbação intelectual de atirar aos outros retalhos inintelegíveis para gáudio daqueles que podem, assim, reservar para si um putativo entendimento dessa obscura arte do absurdo.

Não estou certo se este filme de Lynch cabe na primeira, na segunda ou em outra categoria.

Talvez seja um génio. Não serei eu o juiz disso.

Como dizes, o objectivo da arte pode ser simplesmente despertar sensações em bruto. Nesta concepção, um grito pode ser uma manifestação artística. Não tenho nada a opôr. Mas, nesta instância, prefiro a experiência directa.

Valorizo muito mais a arte que constrói sobre as sensações. Que as relaciona, perspectiva e explora.

Em todo o caso, existem algumas interpretações interessantes do filme de David Lynch aqui.

domingo, novembro 28, 2004

Hoje é Domingo



Os Babilónios são a primeira civilização de que há registo da utilização de uma semana de 7 dias, dedicados às 7 luminárias (Sol, Lua e cada um dos 5 planetas visíveis).

A norma ISO 8601 prescreve que a semana tem início à segunda-feira. O Domingo é, por isso, o último dia da série.

A tradição cristã reserva o Domingo, dia do Senhor, para a adoração divina.

Para nós, ateus, este dia não passa de 24 horas cheias de tédio.

sexta-feira, novembro 26, 2004

Sobre coisa nenhuma



Tenho algo (quase) inútil para partilhar convosco.

Passei as últimas horas a dedicar-me ao assunto e penso estar em condições de anunciar a todos os interessados que tenho uma prova que o mínimo dos elementos de qualquer intervalo definido sobre uma lista de índices dos nós visitados de uma árvore durante uma travessia em profundidade-primeiro corresponde ao índice do antepassado comum mais próximo dos extremos do intervalo.

[...]

Quod erat demonstrandum

segunda-feira, novembro 15, 2004

Rufus Wainwright @ Aula Magna



Sábado, 13 de Novembro, 22 horas.

As luzes da Aula Magna apagam-se de repente.

No meio de fumo e de uma melodia a evocar Judy Garland entra em palco Rufus Wainwright.

Daí em diante foram quase duas horas de êxtase.

Para mim foi uma espécie de baptismo musical. Foi a primeira vez que fui a um grande concerto de música Pop de grande qualidade e fiquei siderado.

A espontaneidade, a autenticidade e a tensão emocional do trabalho de Rufus Wainwright fizeram-me experienciar o numinoso naquela noite de Sábado.

O artista também gostou da audiência. Em várias ocasiões disse estar surpreendido pela recepção calorosa e ficou a promessa de voltar com a banda.

Da minha parte, foi o confirmar de uma paixão.

Come back soon, Rufus!

quinta-feira, novembro 04, 2004

Activar o ADN



Este era o título de um artigo da revista Xis do Público de 30 de Outubro, cujo tema era este livro .

O livro, escrito por Robert Gerard, PhD fala sobre como "activar a informação contida no nosso ADN" para que passemos a "aproveitar plenamente o nosso potencial e, assim, ter uma vida mais equilibrada e saudável". Quem ficou com a estranha sensação de que isto se trata de uma reedição da ideia de que usamos apenas 10% do cérebro acertou em cheio.

O livro não li (e, diga-se, não tenciono). O artigo da revista Xis, no entanto, faz adivinhar um chorrilho de disparates new age que atingem proporções indizíveis. O pior é que o comentário ao livro não está em nenhuma secção de humor da revista. É apresentado como um livro sério e proveitoso para os leitores do Público.

Numa época em que todos andamos com a expressão "Sociedade do Conhecimento" na boca, estes tiques de obscurantismo com jargão pseudo-científico só têm paralelo nas crenças medievais.

Quer o senhor Doutor Robert Gerard dizer que andamos todos com o ADN inactivo e que por via das suas "orações de cura do ADN" podemos activá-lo? Este tipo de afirmações não tem ponta por onde se lhe pegue.

Eu tinha a inocente ideia de que o objectivo dos jornais era informar. Embora tolere frivolidades nos seus suplementos não consigo encaixar nenhum tipo de serviço neste tipo de estupidez inenarrável.


Quem se senta à frente, de novo



O povo americano escolheu ontem os membros do Colégio Eleitoral que vai eleger o próximo Presidente dos Estados Unidos num exercício de uma democracia incompreensível para os olhos europeus.

Não só o sistema eleitoral americano parece ser inutilmente rebarbativo como o mundo (fora da América) tem dificuldade em compreender como é que o presidente mais pateta da história americana pode conseguir uma expressiva reeleição.

O The Economist colocava a questão "Bush vs Kerry" desta forma: "The Incompetent OR The Incoherent?". E eu coloco desta: "Como raio é que é possível?".

Um presidente que partiu as tábuas da lei internacional, que levou o conceito de unilateralismo americano a limites inéditos, que criou o maior défice orçamental na história dos Estados Unidos... um presidente virtualmente analfabeto obteve uma das votações mais expressivas de sempre.

Isto leva-nos necessariamente a questionar os fundamentos da Democracia.

Em todo o caso acredito, acima de tudo, na soberania dos Estados e no direito de se organizarem da forma que entenderem. Estaria verdadeiramente angustiado hoje se fosse americano. Não sendo este o caso só posso desejar que a Europa saiba proteger-se das contingências das eleições americanas.

A americanofilia sofreu nestes últimos 4 anos golpes severos e tudo indica que continuará a definhar nos próximos 4. A sociedade americana tem sido nas últimas décadas uma referência fundamental para o resto do mundo mas as suas atitudes despóticas e imperialistas têm vindo igualmente a semear ódios e a fazer nascer vários tipos de anti-americanismo.

Não são apenas odiados por serem melhores. São também odiados porque podiam ser muito mais do que são.

Resta citar um texto de Hugo Fonseca,

Hoje parece ser um dia triste para a maioria dos Europeus. "Four more years" (o slogan republicano para a re-eleição do Bush) pegou e ficou. E a reacção tem vindo de vários quadrantes. Hoje alguém perguntou-me: "tens a noção que vives entre atrasados mentais?" (Portugal). Outra pessoa dizia-me "I am still in denial" (EUA). Outro ainda disse que eram como viver em 2003 e perceber que o Bush fica até 2008 sem eleições (EUA).

Vivo no condado do Cuyahoga, onde fica Cleveland. Todos os olhos estavam fixados em nós ontem à noite: quem iria ganhar o Ohio? Os resultados das principais cidades saiam, mas do Cuyahoga publicavam-se poucos ou nenhums resultados. Afinal, as mesas de voto tinham fechado às 19:30 e porque raio era 23:00 e ainda só se tinha 15% das votações? O facto é que os americanos em muitos aspectos ofereceram uma lição de humildade do mundo sobre a democracia.

Não existem sistemas perfeitos de democracia. Mas ontem foram às urnas mais de 100 milhões de pessoas votar nas eleições mais importantes algumas vez na memória do país (e do mundo?). Sabia-se que muita gente iria votar pela primeira vez e que muita gente que tinha preferido ficar em casa em eleições anteriores iria votar desta vez. Nunca se pensou que tanta gente aparecesse. O resultado foram filas e horas e horas de espera. Horas e horas de espera onde as mesas não fechavam porque toda a gente contava e ninguém fica para trás. Muitas mesas do Cuyahoga não fecharam antes das 21:00 e das 22:00 (de acordo com o reportado na televisão). A corrida presidencial decorreu em feição: não houve problemas com o voto electrónico; não houve intimidação para com os eleitores; houve um vencedor claro e absoluto 24 horas depois das eleições - e um que ganhou o total nacional.

No Cuyahoga as pessoas esta tarde estavam tristes e a chuva que caía sobre Cleveland ajudava ao clima triste. Afinal cerca de 68% das pessoas votaram em Kerry, tendo ganho dentro do condado com uma margem de 220.000 votos (total só mesmo ultrapassado em Philadelphia). Ninguém no Ohio queria tanto uma vitória do Kerry como em Cleveland, mas a cidade não são os campos e as áreas suburbanas do país. Esse país distante que chamamos América escolheu o seu candidato; mas essas pessoas não vivem ao pé das antigas torres gémeas, não olham todos os dias sobre Manhatan e não sentem o medo de andar de metro todos os dias; essas pessoas não sentem as ameaças de segurança todos os dias contra os prédios do FMI ou do Banco Mundial. A "América real" escolheu o seu candidato: pelos valores conservadores, apoiados na religião e agitando os fantasmas do medo. É esta a América com que temos que lidar.


O que eles querem



O "homem moderno" não existe.

Aquilo que se convenciou chamar de metrossexual é um conceito absolutamente imaterial na nossa sociedade. Do mesmo modo, as únicas revistas masculinas que existem versam sobre material pornográfico, futebol e novidades automóveis. Todas as outras têm como único público-alvo a comunidade homossexual.

Ora, isto não implica que não existam pessoas do sexo masculino com as putativas características de um "metrossexual", mas é mais fácil explicá-las como idiossincrasias do indivíduo do que como um grupo social.

O homem típico tem três grandes paixões na vida: futebol (ou qualquer outro desporto de substituição, desde que possa ser palco de manifestação da sua virilidade), mulheres e beber cerveja com os amigos. Todas as restantes actividades da sua vida têm como objectivo último satisfazer uma das paixões mencionadas.

Assim, o homem típico não perde tempo a ler, a perorar sobre a vida ou a escrever em blogs, excepto se tiver a percepção de que, de alguma forma, estas actividades permitam um acesso mais imediato ou com maior sucesso às supracitadas paixões.

O sucesso profissional, a estabilidade financeira e a exuberância física trazem ao homem típico, com grande probabilidade, mais mulheres. Por isso, ele persegue estes objectivos com quase tanto afinco como o objecto do seu desejo.

Ao contrário da mulher, o homem típico define-se, ou melhor, define a sua virilidade por oposição aos outros homens. Num grupo masculino, todos competem pelo sucesso: querem ser os mais entendidos em futebol, querem ter o maior sucesso com as mulheres e querem ser o campeão social das cervejolas. Enquanto que a mulher típica se define em função do homem que pretende agradar, o homem típico define-se em função dos seus pares, por vezes numa atitude autista em relação ao verdadeiro interesse das mulheres.

Dito isto, aceito todas as acusações de misantropia.

segunda-feira, novembro 01, 2004



O que elas querem



É comum dizer-se que as mulheres são inescrutáveis. Um ser misterioso sobre o qual é impossível aos homens delinear uma teoria da mente.

Não acredito que isto seja verdade.

Por outro lado, também não acredito que as mulheres possam ser caracterizadas ou mesmo definidas como se fossem meras variações do mesmo molde.

Algumas das pessoas mais admiráveis que conheço são do sexo feminino. Mas é também entre as mulheres que encontro algumas das facetas mais pungentes da humanidade.

A mulher moderna alimenta-se daquelas revistas que não fazem mais do que a reduzir a uma espécie de dona-de-casa sofisticada. A retórica é a da libertação feminina, mas o objectivo latente é sistematicamente o de casar bem, construir uma família e ter muitos filhos. No fundo, a mulher moderna continua a definir-se pela sua capacidade de agradar à sua cara-metade.

E nesta tentativa de sofisticação artificial a mulher caminha inevitavelmente para a mediocridade. Os objectivos a que se propõe são demasiado fáceis, demasiado os mesmos de sempre.

A mulher é, portanto, a primeira e mais profunda vítima de uma sociedade que se constrói com base na noção de êxito. Porque o êxito que se lhes reserva é simplesmente o sucesso na maternidade.

Os efeitos laterais deste estado de coisas é uma feminidade intolerante com tudo aquilo que frustre este programa. No fundo, a mulher moderna odeia tudo aquilo que nega o seu estatuto de fêmea e o seu papel tradicional na sociedade. A mulher moderna sonha com o homem viril do qual depende para se definir e não suporta nenhum sinal de fraqueza, de feminidade, em suma, de humanidade num homem.

É profundamente triste que as mulheres de hoje reclamem somente este papel de co-existência. É profundamente triste...


domingo, outubro 31, 2004



Esta semana que passou, e ao fim de quase 26 anos, perdi o meu estatuto de unigénito.

É verdade, nasceu a minha irmã. Tem cara de traquina, dedos de cravista e faz umas caretas adoráveis. A Inês veio ao mundo tranquilamente e assim permanece.

A sua indiferença às "grandes questões" remete-nos para a simplicidade fundamental da vida. A minha irmã goza agora de uma total e genuína liberdade, mas também de uma saudável dependência dos que a rodeiam.

Ao longo da vida perderá progressivamente ambas. Espero que o faça graciosamente.

quarta-feira, setembro 29, 2004

De volta ao trabalho



Com o início deste semestre começa também uma nova fase da minha vida.

Depois de terminar a licenciatura decidi deslocar-me em contra-ciclo. Após cerca de 6 anos no mundo real, com recibos de ordenado e IRS para pagar, eis que deixo a indústria para voltar a ser estudante, no sentido estrito.

Iniciei este mês o meu mestrado - um percurso que me deverá ocupar cerca de um ano.

Juntamente com promessas de realização pessoal, por via da actividade de investigação, vêm os votos de uma vida monástica suportada por pouco mais do que uma bolsa que representa apenas uma fracção daquilo que qualquer recém-licenciado consegue no mundo do trabalho.

Muitos se interrogam se não terá sido uma atitude temerária, especialmente se tivermos em conta as oscilações imprevisíveis da economia, deixar um emprego estável e um contrato sem termo para perseguir um sonho.

O mundo real e o mundo académico não se compadecem com lirismos oníricos. Seria, por isso, um sinal de ingenuidade pensar que poderia justificar esta minha decisão com uma mera fixação de juventude. Se assim fosse, poderia igualmente perseguir uma carreira como guarda-freio, com a qual sonhava frequentemente na infância.

Antes de mais, optar por um mestrado a tempo inteiro é um desafio, uma auto-descoberta, um teste ao limite das minhas capacidades. O próximo ano ditará aquilo que eu quero realmente fazer no futuro.

Para já, o balanço é positivo. A par do estímulo intelectual, que tem sido sempre a fonte da minha força vital, a experiência de ensino tem-se revelado enriquecedora.

O veredicto fica para depois. Até lá, viverei o hic et nunc.


sexta-feira, julho 23, 2004

News Flash



Concluí a minha licenciatura.

Perdoem a minha paroquiana necessidade de partilhar isto com o mundo


segunda-feira, julho 12, 2004

Arte e os Artistas



Começou por ser um comentário meu aqui, mas que decidi transcrever aqui na íntegra.



"A arte, simultaneamente o cúmulo da inutilidade e a expressão máxima do génio humano, é intrinsecamente paradoxal.

O que leva uma sociedade a valorizar e admirar algo que não serve nenhum propósito utilitário, mas que apela incessamente às sensibilidades, ao sentido estético e mesmo à experiência do numinoso?

Posso oferecer duas respostas.

A primeira tem a ver com aquilo que é ser humano. A arte apresenta-se como um desafio às emoções, ou como uma experiência erótica. Porque a arte dá-nos prazer, dá-nos sensações intensas. Permite-nos admirar a beleza do nosso engenho e criar mundos imaginados, sugerir significados ocultos, estabelecer ligações insuspeitas entre entes banais...
A arte perfigura-se, assim, como a mais elevada das acções humanas. Algo que só pode ser levado a cabo por seres capazes de ver a essência do mundo real e, a partir dele, inventar um mundo novo que serve de suporte à obra.

A segunda pode ser ilustrada por outros exemplos da Natureza, em que parece estar-se a valorizar o inútil. Porque razão é que o pavão carrega as suas faustosas penas quando estas, sem dúvida, representam uma desvantagem no que diz respeito à evasão a predadores? A resposta é que um pavão que consegue exibir a sua magnífica penugem e, ainda assim, evitar predadores e apresentar um aspecto saudável é, efectivamente, um exemplar meritório e de um apelo sexual intenso para uma pavoa. Do mesmo modo, o artista na civilização humana é um ser atraente. Alguém que consegue criar algo inútil e, ainda assim, evitar ser um indigente é inevitavelmente sexy. E todos queremos ser sexy, mas só alguns acabam sendo artistas..

Bem hajam os artistas!"

Pedro Santana Lopes





O primeiro-ministro, doutor José Manuel Durão Barroso, pediu a sua demissão ao senhor Presidente da República tendo em vista a presidência da Comissão Europeia.

Um português como Presidente da Comissão Europeia é prestigiante para o País e, sobretudo, prestigiante para Durão Barroso que se torna, assim, o primeiro presidente da Comissão oriundo de um País não fundador. Não se adivinha nenhuma vantagem estratégica para Portugal porque a aceitação do cargo pressupõe, como seria justo e desejável, uma estrita imparcialidade no tratamento dos vários estados-membros.

A saída de Durão Barroso foi uma decisão pessoal, legítima, mas com consequências políticas inéditas em Portugal.

Em 2002 realizaram-se em Portugal eleições legislativas. Nos éditos publicados em todo o País, por essa ocasião, podia ler-se "Eleições para os Deputados à Assembleia da República".

Constituída a nova Assembleia, o senhor Presidente da República convidou Durão Barroso para formar governo, depois de ouvir os partidos com assento parlamentar e tendo em conta os resultados eleitorais.

O Governo da República é o órgão executivo da Nação e é responsável perante o Presidente e, no âmbito da responsabilidade política, perante a Assembleia da República (artº 190º da C.R.).

Assim, em Portugal, não se elegem Governos.

O Partido Social Democrata apresentou ao eleitorado, por ocasião das eleições, um Programa Eleitoral que foi sufragado. Na sequência da formação do Governo de Durão Barroso, para o qual se estabeleceu uma coligação com o CDS-PP, foi apresentado à Assembleia da República um Programa de Governo que foi aprovado.

Com a saída de Durão Barroso, e consequente queda do Governo, o senhor Presidente da República irá indicar um novo primeiro-ministro. O Governo que daqui resultar terá de apresentar à Assembleia da República um novo Programa de Governo. Os deputados com assento no parlamento que se encontram a exercer o seu mandato de quatro anos irão avaliar a compatibilidade deste Programa com o Programa Eleitoral que serviu de base à sua eleição.

Se o programa de Governo não for aprovado, o Governo cai.

Deste modo, em Portugal, os Governos dependem indirectamente dos Programas Eleitorais dos partidos que estão na base da eleição dos deputados à Assembleia da República.

Havia ainda a possibilidade de o senhor Presidente da República dissolver a Assembleia e convocar novas eleições. Isto faria todo o sentido caso estivesse em causa a legitimidade dos deputados eleitos ou se houvesse uma indefinição política que exigisse clarificação. Por princípio, o mandato dos deputados deve durar quatro anos e essa é a essência fundamental da democracia representativa.

Do ponto de vista político, não posso dizer que estou amplamente satisfeito com a perspectiva de o senhor Santana Lopes vir a ser primeiro-ministro de Portugal. No entanto, o senhor Santana Lopes tem tudo para me supreender pela positiva e muito pouco para me surpreender pela negativa.

A alternativa era, claramente, um governo socialista liderado pelo senhor Ferro Rodrigues.

A reacção de vários dirigentes socialistas à decisão do senhor Presidente da República foi, no mínimo, deselegante.

O facto de Ferro Rodrigues se demitir na sequência do anúncio da decisão presidencial invocando o facto de esta constituir uma derrota pessoal não só denota que o PS concebe a Presidência da República como uma espécie de órgão eleito por procuração como se constitui como um sinal de uma total ausência de sentido democrático e respeito institucional. O senhor Ferro Rodrigues teve muitas melhores oportunidades para apresentar a sua demissão. Ao apresentá-la agora, neste contexto, e a poucas semanas depois de um resultado eleitoral histórico nas eleições europeias só demonstra que o Partido Socialista estava longe de estar em condições para se apresentar a eleições legislativas com o ex-líder e de eventualmente formar uma equipa de Governo.

As declarações de Ana Gomes e de Manuel Alegre para além de invocarem novamente razões de natureza pessoal, que continuam a deixar-me perplexo pela sua imaturidade, acrescentaram ainda que a democracia estava em perigo. Ana Gomes disse mesmo que esperava que a democracia se restabelecesse em Portugal em 2006.

A gravidade destas declarações só pode ser mitigada pela possibilidade de estes senhores acreditarem genuinamente que só é possível uma Democracia com um governo socialista no Poder.

Apesar de acusações de populismo e demagogia, o partido agora liderado pelo senhor Pedro Santana Lopes teve uma postura muito mais democrática, muito menos populista e muitíssimo menos demagógica do que os partidos da oposição e, em particular, do que o Partido Socialista.

Espero, sinceramente, que esta postura de Estado evidenciada pelo PSD liderado por Santana Lopes seja o eixo condutor dos próximos dois anos. Se assim for, Pedro Santana Lopes começa já a surpreender-me.

Euro 2004





É difícil não ficar emocionado com que assistimos durante o Euro 2004.

As emoções, as bandeiras, o hino cantado em uníssono pelos inflamados peitos de portugueses e portuguesas. É difícil, porque tudo isto apela aos sentimentos mais primários de cada ser humano. Uma espécie de tribalismo moderno, que terá, certamente, o seu papel na prevenção da violência, permitindo a sublimação de alguns dos mais básicos instintos de territorialidade.

É também a prova cabal que o ser humano está inexoravelmente próximo do macaco. Não há nada de verdadeiramente digno, racional ou louvável naquilo que assisistimos durante essas últimas duas semanas.

É efectivamente a catarse do povo. A catarse pela alienação. De repente, nada mais importa.

E a união da tribo contra os bárbaros invasores não durou mais do que essas duas semanas. Não se extraiu daí nada que possa ser usado para o progresso do país, excepto algumas centenas de alcoólatras que descobriram que em Portugal se pode beber em todo o lado até às tantas da manhã e que, certamente, voltarão para estimular a indústria cervejeira.

Não teria sido mais barato fornecer gratuitamente a todo o país um alucinogénio com efeitos durante 15 dias? Do que construir uma dezena de estádios que estão agora condenados a ser fantasmas do europeu de futebol?

Sem dúvida, a organização do campeonato projectou grandemente a imagem de Portugal no estrangeiro e foi um exemplo de como um pequeno país pode levar a cabo um projecto da dimensão e complexidade do Euro. Mas não se retire mais do que isto. Não serviu, como muitos dizem, para dar um novo alento à alma lusitana. Todos esses efeitos foram meramente paliativos. Os problemas do País continuam os mesmos. O povo não está mais unido. A economia continua por reabilitar.

É preciso mais do que por as pessoas a pendurar bandeiras no estendal.

sexta-feira, julho 09, 2004

Não têm havido posts.. Estou demasiado ocupado a terminar a licenciatura.

Prevêm-se notícias dentro de uma semana, e comentários aos últimos acontecimentos.

sexta-feira, maio 21, 2004

Milagres





A indústria dos milagres move vários milhões de euros por ano em toda a Europa. Astrólogos, Tarólogos e outros Videntes prometem a solução para todos os problemas do quotidiano, fazendo recurso a "sabedorias ancestrais", pouco compreendidas pela actual sociedade. Este alegado desconhecimento não impede, contudo, que muitas sejam as pessoas que recorrem a este tipo de práticas numa tentativa de resolver as suas pequenas tragédias pessoais.

Não é necessário estar muito atento para ver solicitações deste tipo de serviços nos jornais e na televisão. Linhas de valor acrescentado, programas de computador, consultórios especializados.. todos prometem uma eficaz resolução dos problemas a troco de uma quantia em dinheiro que é relativamente modesta quando comparada com o efeito que é antecipado.

Políticos, personagens do jet-set e donas-de-casa, recorrem a este tipo serviços com regularidade e quase que se tornou politicamente incorrecto adoptar um atitude céptica face a estes milagreiros e milagreiras.

Em Portugal, o sensato Código de Publicidade dispõe o seguinte:


Artigo 22.º-B


Produtos e serviços milagrosos


1 – É proibida, sem prejuízo do disposto em legislação especial, a publicidade a bens ou serviços milagrosos.

2 – Considera-se publicidade a bens ou serviços milagrosos, para efeitos do presente diploma, a publicidade que, explorando a ignorância, o medo, a crença ou a superstição dos destinatários, apresente quaisquer bens, produtos, objectos, aparelhos, materiais, substâncias, métodos ou serviços como tendo efeitos específicos automáticos ou garantidos na saúde, bem-estar, sorte ou felicidade dos consumidores ou de terceiros, nomeadamente por permitirem prevenir, diagnosticar, curar ou tratar doenças ou dores, proporcionar vantagens de ordem profissional, económica ou social, bem como alterar as características físicas ou a aparência das pessoas, sem uma objectiva comprovação científica das propriedades, características ou efeitos propagandeados ou sugeridos.

3 - ....

4 - ....

5 - .....».


Apesar de, a meu ver, esta norma ser praticamente letra morta, uma vez que se fosse efectivamente cumprida não veríamos a quantidade de anúncios a linhas de Astrologia e Tarot que vemos na televisão, há casos onde foi efectivamente aplicada. Assim, recentemente, um astrólogo-vidente-cartomante foi condenado ao pagamento de uma sanção de 2000 euros por violação do supracitado artigo do Código de Publicidade. De recurso em recurso, o caso chegou ao Tribunal Constitucional, onde o réu arguiu que a referida norma se constituia como uma limitação inconstitucional ao direito à informação e à liberdade de expressão.

O Tribunal Constitucional indeferiu o recurso, referindo que a própria Constituição da República prevê uma disciplina para a publicidade e que a actual legislação cumpre irrepreensivelmente essa necessidade de regulamentação, não atentando contra os direitos referidos pelo recorrente.

Não posso deixar de me congratular por esta decisão. Que seja, ao menos, na sensatez das suas leis que Portugal tenha algo a ensinar ao resto do Mundo.

segunda-feira, maio 10, 2004



Não tenho quaisquer intenções de me tornar um crítico de televisão, mas há certas coisas que merecem um comentário.

Aquilo que deveria ser uma celebração da beleza feminina, está transformado num exercício cruel de apuramento da próxima rainha das mulheres-objecto.

Um homem que deve ter sido manequim na primeira república, uma tipa com um ego maior que o cérebro, outra saída de um filme da Adam's Family e um borjeço misógeno protagonizam um cobarde espectáculo de achincalhamento de jovens raparigas que têm a ingenuidade de pensar que se podem tornar pessoas melhores com idas ao cabeleireiro.

Da tolerável hipocrisia de declarações de amor pela paz e de solidariedade na luta contra a fome no mundo, involuímos para um espectáculo mediático de exploração da pobreza de espírito. Será delas, talvez, o reino dos céus, mas poupem-nos à terrena contemplação dessa humilhação auto-infligida.

terça-feira, maio 04, 2004

Revisão Constitucional



No jornal Público de hoje podemos encontrar um artigo de opinião do senhor deputado António Pinheiro Torres acerca de uma das alterações ao texto da Lei Fundamental de teor semelhante à declaração de voto que foi oportunamente apresentada durante o período de votações em sede de revisão constitucional.

A alteração a que se refere o senhor deputado diz respeito ao Princípio da Igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República, ao qual foi aditada a proibição de discriminação em função da orientação sexual (termo cuja autoria o senhor deputado atribui às associações de homossexuais, talvez querendo, com isso, dizer que o conceito não existe).

O senhor deputado, apesar de não ter votado contra a alteração, defende uma tese curiosa para se insurgir contra esta reforma do princípio da igualdade.

A tese apresentada tem várias facetas, todas elas apresentadas de uma forma eufemizada, e que convém analisar.

Em primeiro lugar, refere a inutilidade da alteração arguindo que a Constituição já garante abstractamente a proibição de quaisquer formas de discriminação, bem como a igualdade perante a Lei e a mesma dignidade social de todos os cidadãos.

Ora, o mesmo raciocínio poderia ser aplicado a quaisquer das características enumeradas no número 2 do artigo 13º. Sendo assim, seria, talvez, preferível adoptar uma redacção em que se colocasse em evidência não as razões pelas quais não se pode ser discriminado, mas sim as razões pelas quais se deve ser discriminado, designadamente o mérito, o talento e as virtudes. Em todo o caso, não tem sido essa a tradição e o método das declarações de direitos modernas, em que se pretende dar ênfase à proibição das formas hodiernas de perseguição e discriminação nas quais se inclui, sem sombra de dúvida, a discriminação contra os homossexuais.

O senhor deputado acrescenta ainda que sendo a orientação sexual algo do foro íntimo do indivíduo deve o Estado abster-se de legislar sobre a matéria, especialmente se se tratar de normas constitucionais.

Ao fazer esta afirmação, o senhor deputado incorre num equívoco. Subjacente à visão de que um relacionamento homossexual é algo do foro íntimo está a concepção da homossexualidade como uma mera opção sexual, uma escolha ao mesmo nível do sabor preferido do preservativo ou da posição sexual favorita. Não cabe na mundividência no senhor deputado que existem pessoas que nascem de modo diferente, e para quem os afectos apelam inexoravelmente a pessoas no mesmo sexo. A dimensão emocional do ser humano dificilmente pode ser relegada exclusivamente para o foro íntimo; algo a ser praticado dentro de portas e longe da vista de todos. Todos os dias vivemos os nossos afectos e eles determinam grande parte do nosso quotidiano. Não ocorre ao senhor deputado que seja legítimo a um indivíduo aspirar a que os seus afectos não o prejudiquem na sua vida profissional, nem na sua dignidade social.

Apesar de julgar a alteração inútil, por estar já consagrada implicitamente, o senhor deputado sente necessidade de apontar o dedo às consequências da adopção do novo texto. E, se lermos a declaração de voto que apresentou no parlamento, ficamos a saber que os receios do senhor deputado são de que esta consagração de igualdade legitime, de algum modo, o casamento homossexual ou a adopção por casais homossexuais ou que os "institutos jurídicos de secular formação" fiquem sujeitos à "degradação ética de gerações", por se aprovar esta alteração cedendo a "correntes de opinião, cuja vertigem última distorce a própria natureza humana".

Mais adiante o senhor deputado vaticina eufemisticamente que, ao ceder às pressões do lobby gay (seja isso lá o que for) estaremos a abrir caminho para os mais aberrantes modos de relacionamento (a 3 ou a 4). Faltou ao senhor deputado acrescentar, como fizeram uns tantos seus companheiros de ideias nos Estados Unidos que, se fosse permitido o casamento gay, prontamente apareceriam pessoas a reivindicar a possibilidade de contrair casamento com os seus animais de estimação. Ora, fazer uma afirmação deste género é confessar uma monumental ignorância acerca da natureza humana em geral e, em particular, à natureza do comportamento sexual humano.

É precisamente por existirem pessoas como o senhor deputado António Pinheiro Torres que esta alteração se justifica e se legitima. Não se trata de cumprir as "agendas políticas de associações de homossexuais", mas sim de consagrar constitucionalmente o direito que todos os indivíduos têm de viver a plenitude dos seus afectos sem estarem sujeitos a julgamentos morais redutores que atentam contra o direito fundamental de cada um viver em dignidade.




Vale a pena ser licenciado?


Na edição de segunda-feira do Público aparece uma referência a um estudo realizado por um técnico do Banco de Portugal que, segundo o artigo jornalístico, concluia que os licenciados portugueses ganham, em média, mais 80% do que os seus colegas que frequentaram apenas o ensino secundário. Por conseguinte, seria então absolutamente vantajoso ser detentor de uma licenciatura, apesar das propinas e dos custos de oportunidade.

Este artigo merece vários comentários.

O artigo refere que o estudo foi feito por meio de inquérito a vários trabalhadores por conta de outrém do sector privado e utilizou dados referentes a 1999. A população incluía trabalhadores entre os 20 e os 60 anos. Metade do universo analisado dizia respeito a indivíduos com licenciatura, a outra metade a indivíduos com o ensino secundário.

De seguida proponho um exercício: o que é que há de estranho com este estudo?

1. Os dados dizem respeito a 1999, um período económico muito diverso do actual e em que os custos de frequência do ensino superior público eram manifestamente inferiores aos custos actuais;

2. O estudo deixa de lado alguns grupos importantes:

  • O sector público, que representa mais de 50% da população activa

  • Os trabalhadores por conta própria apenas com o ensino secundário, onde encontramos, porventura, a maior parte dos empresários das pequenas e médias empresas portuguesas, com rendimentos francamente superiores ao trabalhadores por conta de outrém

  • Os trabalhadores por conta própria com licenciatura, onde, admitidamente, deverão verificar-se igualmente maiores rendimentos do que os licenciados a contrato

  • Dependendo da forma como os dados foram recolhidos, podem ter sido deixados de fora igualmente, todos os trabalhadores com um grau de licenciatura e que acabaram por exercer uma actividade diversa do âmbito do seu curso e terão sido igualmente ignorados os recém-licenciados no desemprego (síndrome do trabalhador saudável)


3. Por outro lado, parece estranho que, olhando para um universo de pessoas que mistura recém-licenciados com trabalhadores que se licenciaram há 40 anos se usem esses mesmos dados para concluir da vantagem económica de tirar uma licenciatura no futuro próximo.

4. Aparentemente o estudo não teve em conta os vários gastos acrescidos que muitos alunos têm para frequentar o ensino superior, designadamente alimentação e alojamento, se considerarmos os estudantes deslocados, que poderiam alterar dramaticamente as suas conclusões.

Será então este estudo um verdadeiro desmascarar dos mitos relativos a falta de empregabilidade dos cursos superiores em Portugal?

Em boa justiça, uma resposta definitiva só poder ser dada com uma análise atenta do estudo o que, manifestamente não fiz. Por outro lado, seriam necessários mais dados, designadamente em relação ao sector público e aos trabalhadores por conta própria, para permitir retirar conclusões amplamente sustentadas.

De resto, estão convidados a ler o estudo completo aqui.


segunda-feira, maio 03, 2004

Up-to-Date



Tendo em conta o número de leitores deste blog (que deve precisar de não mais de dois bits para representar), o facto de não haver um post há mais de um mês deverá ter tido um impacto moderado nas já debilitadas expectativas por mais um artigo. Assim, vou escusar-me a apresentar justificações para tão prolongada ausência. Em todo o caso, a falta de assunto não pode ser apontada como uma razão válida. Na realidade, há tanto de que falar que a perspectiva de escrever sobre todos esses assuntos pendentes chega a ser desmotivadora.

Este blog tem tido sempre um tom quase azedo por ter servido, sobretudo, como forma de exteriorizar uma série de frustrações do meu quotidiano, hoje queria fazer algo diferente. Começo por congratular-me pela adesão de 10 novos estados à União Europeia. A Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, Hungria, República Checa, Eslováquia, Eslovénia, Malta e Chipre são os novos países da europa comunitária. Houve comemorações um pouco por toda a Europa, especialmente nos novos membros, e foram entregues bandeiras da União a todos os municípios dos países recém-chegados. Esta mera formalidade já deu origem a uma acesa polémica na Polónia, onde se discute ainda se a bandeira da União tem ou não precedência sobre as bandeiras nacional e municipal. O governo polaco apressou-se a dizer que a "bandeira da União Europeia trata-se da bandeira de uma mera organização internacional e, por isso, dever-se-ão seguir as regras estabelecidas para esses casos". Claramente, o espírito (con)federalista ainda não chegou à Polónia.

Ainda a propósito de bandeiras e em linha com a recente identificada necessidade de recuperar o amor-próprio nacional, talvez fosse pertinente analisar a forma como é tratada a bandeira da República Portuguesa. Por cá, a bandeira nacional, por força do decreto-lei 150/87 de 30 de Março, só se desfralda, tipicamente, aos Domingos e Feriados, nos edifícios públicos. Esta norma está sujeita a várias interpretações: a bandeira nacional é elevada a tal nível de respeito e consideração que só pode ser hasteada pouco mais de 52 vezes por ano; temos vergonha ou medo de uma prática ostentativa dos símbolos nacionais; as bandeiras duram mais tempo se forem hasteadas menos vezes. Aqui ao lado, em Espanha, é comum ver a bandeira do Reino (muitas vezes, na versão de 5 panos), permanentemente hasteada em todos os edifícios públicos. É certo que Espanha sofre tensões internas que não existem em Portugal, e que, consequentemente, os símbolos servem propósitos mais extensos do que cá. Mas não seria legítimo interrogarmo-nos se uma presença mais constante dos símbolos nacionais poderia reforçar esta recente militância em prol do orgulho lusitano? Provavelmente, o espectro do fascismo, mesmo que a 30 anos de distância, faz com que não haja ainda condições políticas para que se re-invista no papel dos símbolos nacionais sem preconceitos e sem receios de nacionalismos.

Sexta Revisão Constitucional



A revisão constitucional que foi recentemente discutida e aprovada na Assembleia da República teve um carácter tão minimalista que ninguém deu por ela, tendo sido praticamente relegada para notas de pé-de-página na comunicação social. De notar é, também, que mesmo o site do Parlamento não disponibilizou ainda nem as actas da sessão nem o texto final aprovado. São, provavelmente, sinais dos tempos.. este desinteresse tão apático pela vida da República e por um dos processos mais solenes que o Parlamento pode levar a cabo.

E eis que não pude evitar o azedume do costume. Os males do mundo oprimem-me e esta é a minha catarse.



sexta-feira, março 05, 2004

Jornalismo em Português



Já não é notícia para ninguém que o jornalismo "moderno" é muito diferente do que outrora se praticava. Todos sabemos que a tese do "direito sagrado" de informar tem permitido transgredir todos os limites. Somos todos testemunhas da substituição dos serviços informativos das televisões por reality shows a que se convencionou chamar de telejornais.

Mas ainda noutro aspecto, mais subtil, se fazem sentir diferenças.

A linguagem que é possível encontrar nos jornais hoje em dia só pode ser classificada de pré-literária. Não sei se é sintoma das insuficiências do sistema educativo básico se uma consequência da multiplicação de publicações jornalísticas. Assim, para compensar a pobreza da linguagem, é possível encontrar tentativas de produção de textos recorrendo a palavras pseudo-eruditas. Nesta linha, podemos verificar que um texto jornalístico substitui invariavelmente "acessos" por "acessibilidades"; "posses" por "possibilidades" , etc.

Recentemente, no Jornal de Notícias, reparei num subtítulo de um artigo em que se podia ler algo como: "Comissão da ONU reconhece as virtualidades das salas de chuto". Fiquei deveras intrigado com esta frase. Quereria a ONU dizer que as salas de chuto não existem de facto? Depois de ler atentamente o texto tudo ficou claro. A palavra "virtualidades" era apenas a versão pseudo-erudita de "virtudes".

E assim vão as glórias do mundo.



quinta-feira, março 04, 2004

Quorum, o Forum Português de Bioinformática e Biologia Computacional

quarta-feira, março 03, 2004

Darwin vs Mendel



Recentemente testemunhei alguém colocar a questão de quem terá sido mais importante para a biologia: Darwin ou Mendel.

A resposta, dada por quem enunciou a pergunta e a título de visão pessoal, foi Mendel, arguindo que Darwin teria feito trabalho de filósofo, propondo uma mera explicação para a panóplia de esquemas de vida presentes na natureza, e que Mendel teria feito efectivamente trabalho cientifico ao levar a cabo experiências que o permitiram explicar o mecanismo de transmissão de características hereditárias. Foi acrescentado ainda que a teoria de evolução não teria sido provada e que consistia simplesmente na melhor explicação de que dispomos para os dados que obtemos a partir do registo fóssil.

Antes de dar a minha resposta preferida à questão colocada, devo dizer apenas que o que me levou a escrever sobre este assunto não foi a pergunta em si, que julgo irrelevante, mas sim o raciocínio que foi aposto à resposta oferecida. Sabemos que, historicamente, o Darwinismo e Mendelismo foram inimigos por parecerem visões inconciliáveis do mundo vivo. Como poderia haver evolução se as características dos organismos consistiam apenas em combinações de caracteres transmitidos da forma descrita por Mendel? Sabemos hoje que estas visões, longe de serem inconciliáveis, são de complementariedade essencial. Uma das insuficiências da Teoria da Origem das Espécies era precisamente a teorização que era feita acerca da forma como as características eram herdadas, que no estado em que foi oferecida por Darwin levantava várias questões teóricas insuperáveis. A discretização dessas característcas, retirada do trabalho de Mendel, permitiu o aparecimento da Genética e da Biologia Evolutiva modernas.

Foi dito que Darwin fez trabalho de filósofo. Ora, todos os grandes génios o fazem. Era necessário romper com sécuios de creacionismo e ser mais audaz do que outras teorias de evolução propostas na época. Poder-se-ia dizer que também Newton fez trabalho de filósofo quando quis unificar as forças que presidiam aos mundos celeste e terrestre.

Foi dito que a teoria da evolução não foi provada, sendo apenas a melhor explicação que temos para as observações do registo fóssil, etc. Mas isso é algo que a teoria da evolução tem em comum com todas as teorias científicas. As provas são entes do domínio da Matemática. Em Ciência temos apenas uma colecção de "melhores explicações para as observações".

Foi dito que Mendel fez verdadeiro trabalho científico. Sem diminuir a paciência, dedicação e sistematismo que Mendel teve de invocar para prosseguir o seu trabalho é, neste momento, relevante referir que, ao deparar com observações contrárias ao modelo que já tinha delineado, Mendel decidiu ignorar os resultados de difícil explicação. Comportamento esse dificilmente conciliável com uma conduta verdadeiramente científica.

Posto isto, a minha resposta é, sem hesitação, Darwin. Porque sem Darwin, a Biologia não passa de uma enorme quantidade de factos curiosos.


sexta-feira, janeiro 23, 2004

Apologia da Greve



Eu tenho uma enorme simpatia pelas greves dos funcionários públicos.

Fazem precisamente o mesmo que nos dias normais de trabalho, mas com duas grandes vantagens: não temos de lhes pagar e o trânsito anda muito mais fluído.

Bem hajam!

sexta-feira, janeiro 02, 2004



Chegou o ano MMIV. Chegou sorrateiro. Vamos ver o que traz.

terça-feira, dezembro 30, 2003




To celebrate a birthday on Monday would be a tragedy (Tuesday is much
better), but in this time of year weeks are not what we are used to anyway.
Most people are on holidays and have gone abroad or simply somewhere else,
so I am accustomed to not celebrating my birthday with too many people.

Today is just business as usual to me. Maybe I'll gather some
friends on Saturday, after the new years' celebration for I hate
co-celebrations. I already have some trouble trying not to be obfuscated by
he-who-claims-to-be-the-son-of-God's birthday let alone the closer birth of
the new year.

Celebrating a quarter of a century does put things in perspective.

Alexander, the Great was king by his 18th birthday and by the age of 21 he
was ruler of the world.

Either things have become slower to obtain or I'm just overdue.



-- assorted writings


segunda-feira, dezembro 29, 2003




Linus: I guess it's wrong always to be worrying about tomorrow. Maybe we should think only about today.

Charlie Brown: No, that's giving up. I'm still hoping that yesterday will get better.

quarta-feira, dezembro 10, 2003

Lei e Ordem



Este fim-de-semana, eu e um grupo de amigos, fomos agredidos por três indivíduos no Bairro Alto.

As perguntas que qualquer interlocutor sente necessidade de fazer após esta informação são, tipicamente: como é que isso aconteceu? (tentando perceber que tipo de eventos terão desencadeado a agressão) e estão todos bem? (como puro ritual social de contrafacção de interesse, muito no estilo do "Como está?" da Vodafone). Vou responder a estas e outras perguntas.

Os indivíduos não foram provocados. Não existe uma explicação razoável para a manifestação violenta. Tudo começou quando um dos perpetradores entornou cerveja sobre o grupo o que, naturalmente, causou reacções de espanto e alguma indignação, mas em momento nenhum houve agressividade, limitando-se a reacção verbal a um "Isso é um bocado chato!". A isto seguiu-se uma libertação incompreensível de violência que resultou em alguns traumatismos faciais e torácicos e provavelmente um traumatismo craneano ligeiro, provocado com uma pedra da calçada violentamente levada contra a cabeça de um dos lesados.

A polícia foi chamada ao local e 2 dos 3 indivíduos foram detidos e identificados.

Não vale a pena descrever o que se passou na esquadra, especialmente quando passado algumas horas os indivíduos foram libertados e tentaram voltar a entrar na esquadra para reincidir nas agressões. Tentativa essa repelida pelos 3 agentes presentes. Nem vale a pena referir que os autos de denúncia dos lesados e testemunhas demoraram mais de 7 horas a serem redigidos. Queria concentrar-me na discussão do que fazer após este incidente.

O crime de agressões físicas é semi-público, e cabe agora ao ministério público decidir se há matéria de facto e interesse em levar o caso a tribunal.

Que deve o Estado e os agentes judiciais, interessados, em última analise, na persecução da justiça, fazer?

A impunidade não serve a Justiça e encoraja a repetição deste tipo de incidentes. Se não houverem represálias, não é possível que o sistema de justiça assuma a sua função dissuasora. Por outro lado, a aplicação de uma pena de prisão tem efeitos criminógenos inegáveis, por muito que seja o carácter reeducativo da pena.

Eu, como lesado, não estou em condições para me pronunciar sobre o destino que se deveria dar a este caso. E mesmo que não fosse, penso que teria muita dificuldade em encontrar a pena justa e socialmente desejável.