sexta-feira, março 05, 2004

Jornalismo em Português



Já não é notícia para ninguém que o jornalismo "moderno" é muito diferente do que outrora se praticava. Todos sabemos que a tese do "direito sagrado" de informar tem permitido transgredir todos os limites. Somos todos testemunhas da substituição dos serviços informativos das televisões por reality shows a que se convencionou chamar de telejornais.

Mas ainda noutro aspecto, mais subtil, se fazem sentir diferenças.

A linguagem que é possível encontrar nos jornais hoje em dia só pode ser classificada de pré-literária. Não sei se é sintoma das insuficiências do sistema educativo básico se uma consequência da multiplicação de publicações jornalísticas. Assim, para compensar a pobreza da linguagem, é possível encontrar tentativas de produção de textos recorrendo a palavras pseudo-eruditas. Nesta linha, podemos verificar que um texto jornalístico substitui invariavelmente "acessos" por "acessibilidades"; "posses" por "possibilidades" , etc.

Recentemente, no Jornal de Notícias, reparei num subtítulo de um artigo em que se podia ler algo como: "Comissão da ONU reconhece as virtualidades das salas de chuto". Fiquei deveras intrigado com esta frase. Quereria a ONU dizer que as salas de chuto não existem de facto? Depois de ler atentamente o texto tudo ficou claro. A palavra "virtualidades" era apenas a versão pseudo-erudita de "virtudes".

E assim vão as glórias do mundo.



quinta-feira, março 04, 2004

Quorum, o Forum Português de Bioinformática e Biologia Computacional

quarta-feira, março 03, 2004

Darwin vs Mendel



Recentemente testemunhei alguém colocar a questão de quem terá sido mais importante para a biologia: Darwin ou Mendel.

A resposta, dada por quem enunciou a pergunta e a título de visão pessoal, foi Mendel, arguindo que Darwin teria feito trabalho de filósofo, propondo uma mera explicação para a panóplia de esquemas de vida presentes na natureza, e que Mendel teria feito efectivamente trabalho cientifico ao levar a cabo experiências que o permitiram explicar o mecanismo de transmissão de características hereditárias. Foi acrescentado ainda que a teoria de evolução não teria sido provada e que consistia simplesmente na melhor explicação de que dispomos para os dados que obtemos a partir do registo fóssil.

Antes de dar a minha resposta preferida à questão colocada, devo dizer apenas que o que me levou a escrever sobre este assunto não foi a pergunta em si, que julgo irrelevante, mas sim o raciocínio que foi aposto à resposta oferecida. Sabemos que, historicamente, o Darwinismo e Mendelismo foram inimigos por parecerem visões inconciliáveis do mundo vivo. Como poderia haver evolução se as características dos organismos consistiam apenas em combinações de caracteres transmitidos da forma descrita por Mendel? Sabemos hoje que estas visões, longe de serem inconciliáveis, são de complementariedade essencial. Uma das insuficiências da Teoria da Origem das Espécies era precisamente a teorização que era feita acerca da forma como as características eram herdadas, que no estado em que foi oferecida por Darwin levantava várias questões teóricas insuperáveis. A discretização dessas característcas, retirada do trabalho de Mendel, permitiu o aparecimento da Genética e da Biologia Evolutiva modernas.

Foi dito que Darwin fez trabalho de filósofo. Ora, todos os grandes génios o fazem. Era necessário romper com sécuios de creacionismo e ser mais audaz do que outras teorias de evolução propostas na época. Poder-se-ia dizer que também Newton fez trabalho de filósofo quando quis unificar as forças que presidiam aos mundos celeste e terrestre.

Foi dito que a teoria da evolução não foi provada, sendo apenas a melhor explicação que temos para as observações do registo fóssil, etc. Mas isso é algo que a teoria da evolução tem em comum com todas as teorias científicas. As provas são entes do domínio da Matemática. Em Ciência temos apenas uma colecção de "melhores explicações para as observações".

Foi dito que Mendel fez verdadeiro trabalho científico. Sem diminuir a paciência, dedicação e sistematismo que Mendel teve de invocar para prosseguir o seu trabalho é, neste momento, relevante referir que, ao deparar com observações contrárias ao modelo que já tinha delineado, Mendel decidiu ignorar os resultados de difícil explicação. Comportamento esse dificilmente conciliável com uma conduta verdadeiramente científica.

Posto isto, a minha resposta é, sem hesitação, Darwin. Porque sem Darwin, a Biologia não passa de uma enorme quantidade de factos curiosos.